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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

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Papas na língua

Tiago Moreira Ramalho, 19.08.10

Passar férias no Portugal Rural implica certas cedências que a confortável vida suburbana evita. Uma delas é assistir de sorriso amarelo, que o agrado, quando não é genuíno, deve ser fingido, à programação dos canais de sinal aberto. Ora sucede que, de manhã, e eu hoje acordei de manhã, a menos que tenhamos um jornal, que não se vende por cá, ou um livro ao lado, apenas podemos optar entre os três programas do Goucha e os desenhos animados de má qualidade da RTP2 – se fossem de boa qualidade, vê-los-ia. Livro ao lado até tinha, mas a vontade era pouca, então acabei a refastelar-me na cama a assistir a um desses programas do Goucha, que, no caso, era apresentado por uma senhora grávida e um senhor careca. A determinada altura, mesmo antes de ir à retrete, o que me pareceu uma providencial coincidência, chega ao programa, a seguir à gritaria da dupla apresentadeira, a menina Ana Malhoa, senhorita que me divertiu nos tempos do Buéréré – sabes que começou no «a» – e que foi elogiada pelo apresentador careca por, entre outras coisas, não ter papas na língua. Fazia vinte e cinco anos de carreira – qual era a carreira não disseram – e, à conta disso, fez um documentário sobre si própria a que chamou, porque aquela cabecinha é um poço de subtileza, «Sexy – a História da Ana Malhoa». Havia choradeira, cantarolice, fatos apertados e botas gigantes. Uma obra digna de Óscar. Finda a apresentação do «documentário», a senhora grávida toca no assunto que mais arrelia Ana Malhoa: a reacção dos críticos. Valha-nos Deus, que a Ana passou-se logo. Irritava-a a ignorância de quem fala mal do seu trabalho sem o conhecer, dessas más-línguas que não compreendem as maravilhas que ela vomita em fatiotas de napa. Pronto, pronto, lá a acalmaram dando-lhe o docinho: um momento musical todo ele em play-back. Toda sorrisinhos, lá se levantou – ou alevantou, como preferir – a Ana e foi pular para o palcozinho. A seguir, o céu. O poema era de génio – para os padrões actuais – e a voz angelical – tão angelical como a de um barman de cinquenta anos. Despreocupada, ela continuava, a dizer aquelas coisas todas, provavelmente sobre alguém que lhe meteu a cornamenta ou alguém a quem ela a meteu, não interessa para o caso. O que interessa é que quando desliguei a televisão, para finalmente ir à retrete, dei por mim a pensar que o senhor apresentador careca, além de ter pouco do lado de fora da cabeça, também tem pouco do lado de dentro. É que mais valia que a Aninha tivesse mais papas na língua, que assim sempre se poupavam uns decibéis para as gerações futuras.

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