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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

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Deolinda, agora com números III

Priscila Rêgo, 09.03.11

Os dados relativos a salários são, tal como os que dizem respeito a vínculos contratuais, bastante limitados ao nível da desagregação permitida. Uma vantagem: são fáceis de interpretar e têm uma leitura pouco dúbia. Uma desvantagem: ao terceiro post de uma mesma série, já não há pachorra para grandes preciosismos analíticos.

 

O gráfico de baixo mostra o salário líquido de várias faixas etárias como percentagem do salário médio. Os dados são trimestrais e foram corrigidos de sazonalidade pelo muito cómodo método da introdução de médias móveis. Permitem ver como é que a situação salarial de cada grupo evoluiu relativamente à média nacional durante os últimos 12 anos.  Não é preciso mostrar os valores nominais, porque a comparação aqui é relativa.

 

 

Sim, os jovens ganham menos do que o trabalhador médio, mas o diferencial manteve-se mais ou menos constante durante a última década. Na verdade, o segmento etário cujo “prémio salarial” mais recuou ao longo deste período foi precisamente o mais velho (idade superior a 44 anos).

 

Já que tinha as mãos na massa, aproveitei e calculei também o salário real dos mais jovens. O gráfico abaixo mostra esse cálculo. Os valores são expressos em ordem ao ano base (1998, para o qual o salário é igual a 100), mas o que conta, na verdade, é a taxa de crescimento real. Como se pode ver, os jovens de 2010 ganham cerca de 10% mais do que os jovens de há 12 anos. Até houve ali um picozinho no início do século XXI, que infelizmente se esboroou logo em 2003.

 

 

Estes dados não permitem nenhuma comparação relativa, mas apresento-os porque se gerou na opinião pública a ideia de que os jovens ganham hoje menos do que ganhavam há uns anos. Esta ideia é refutada pelos números. Pode contudo ser verdade para um lote cada vez maior de jovens, caso a desigualdade se tenha agravado dentro da mesma faixa etária. Este efeito de base, que consiste na criação de grandes bolsas de jovens mal pagos, pode depois ser amplificado em termos mediáticos pelos fenómenos sugeridos neste post.

 

E em relação à vantagem de estudar mais tempo - e, em particular, de ter uma licenciatura? Ora tomem lá mais um gráfico, feito com a mesma metodologia do primeiro. Representa o salário de dois grupos com estudos diferentes, como percentagem do salário médio.

 

 

Vêem a barrinha verde? É verdade, um licenciado ganha muito mais do que o português médio. Mais do dobro há 12 anos e mais 75% hoje em dia. Esta queda não surpreende, tendo em conta o défice de qualificações em Portugal: o prémio salarial era muito alto no início do século (poucos licenciados, pois claro) e foi diminuindo à medida que cada vez mais jovens conseguiram terminar estudos superiores. Mas a conclusão é inatacável: ter licenciatura continua a ser altamente compensador.

 

Se cruzarmos o primeiro com o terceiro gráfico chegamos à conclusão provável de que os jovens licenciados devem estar a ganhar, em termos relativos, menos do que há 12 anos. E aqui batemos no primeiro problema: devido à falta de informação mais desagregada, qualquer afirmação mais arrojada do que isto cai no campo da especulação.

 

Mas, como isto ainda é um blogue, fazer especulação infundada é uma tarefa espinhosa que assumo com prazer. Eis, portanto, a minha especulação (não tão infundada quanto parece): a) a situação relativa dos jovens licenciados degradou-se nos últimos anos; b) mas continuou, ainda assim, bem melhor do que a situação dos jovens não licenciados; c) os desvios face à média salarial agravaram-se substancialmente, o que levou à criação de um segmento de jovens licenciados low cost, que se arrasta em estágios não remunerados. Deste ponto de vista, os últimos anos criaram, de facto, uma "Geração Deolinda". Desempregada, pobre e precária. Mas, provavelmente, pouco expressiva em termos numéricos.

 

E pronto, era só isto que tinha para dizer.

 

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