Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

Ainda a produtividade

Priscila Rêgo, 20.05.11

O Ludwig Krippahl respondeu ao meu post acerca da produtividade. O que tenho para acrescentar é menos do que o necessário para justificar novo post, mas o suficiente para fazer um comentário. Como essa possibilidade continua restrita no blogue dele*, e como de momento tenho tempo para escrever, aqui vai a resposta.

 

O contra-argumento do Ludwig não me pareceu completamente claro, não sei se por não ter percebido bem o significado das Paridades de Poder de Compra ou se por eu própria não ter percebido bem a sua ideia. Mas as PPC são, simplesmente, uma forma de fazer desaparecer o efeito dos preços e câmbios. De forma muito simples, quem as calcula limita-se a olhar para bens semelhantes, comparar preços e calcular um rácio.

 

Isto permite obter um índice de preços entre zonas geograficamente diferentes. Depois, basta cruzar estes valores com o PIB nominal de cada país para se obter os volumes respectivos. A ideia é comparar o que conta verdadeiramente: a quantidade de bens e serviços que cada país produz. Tão simples quanto isto.

 

E as PPC não assentam “na premissa de que o mercado é livre, não há custos de transporte ou barreiras à concorrência, e, por isso, os bens transaccionáveis têm um preço único no mercado”. Elas levam em conta tanto os produtos fornecidos pelo Estado, como os produtos vendidos em mercado, sejam transaccionáveis ou não. O principal problema não está na conceptualização, mas na aplicação: é um trabalho extraordinariamente demorado, minucioso e complexo.

 

Por isso, tenho dificuldade em perceber a relevância da estória do sr. Zé e da Dª Hermínia, tal como a ideia de preços “de equilíbrio” (o que é um preço de equilíbrio?). As PPC não assumem que os euros do velhinho da Murrunhanha podem ser trocados por mais euros de Lisboa. Pelo contrário, assumem que eles serão gastos no próprio território, tendo em conta os preços que aí vigoram.

 

Assim, são apenas um índice para saber qual é o verdadeiro poder de compra dos salários em cada região, depois de se levar em consideração que os preços são mais baixos na primeira. E servem também para deflacionar os respectivos produtos e perceber qual é, de facto, a diferença de produção entre as duas regiões. O que importa reter é que, com uma PPC, estamos apenas a olhar para volumes de bens e de serviços.

 

Dito isto, claro que há razões para que as economias tenham produtividades diferentes, e certamente que a condição periférica, dotação de factores, clima e pequena dimensão do mercado interno são algumas delas (embora, aparentemente, não tenham constituído travão à Irlanda). Mas onde é que as PPC entram aqui?

 

Finalmente, concordo que “estes descritores não têm valor normativo”. Porém, e bem vistas as coisas, também não é essa a sua função. Valor normativo remete para uma dimensão ética e moral. E, moralmente, até pode ser defensável que o João tenha direito a comer 10 bananas por dia. Mas se o João só produzir 9, não tem outro remédio que não seja comer menos do que devia ou pedir uma emprestada ao vizinho.

 

O conceito de produtividade (refinado por uma boa PPC) serve apenas para mostrar onde está o limite físico daquilo que o João pode exigir sem ter de ficar dependente da caridade alheia. Escolher entre um consumo mais contido e um endividamento progressivo é sempre, claro, uma decisão política que cabe ao João. Mas convém ter presente que a decisão de continuar a financiar essa caridade também é política. E essa já cabe ao seu vizinho.

 

*não é brincadeira, eu não consigo mesmo comentar lá. Admito que seja por inépcia.

 

Adenda: Uma razão para possíveis confusões é o facto de a página da Wikipédia acerca das PPP não se referir ao índice de preços - o deflator PPP - mas sim à teoria das PPP. O primeiro é um instrumento estatístico-contabilístico. O segundo é uma teoria para prever movimentos cambiais, tendo em conta os preços relativos. A ideia básica é que a taxa de câmbio nominal deve convergir para a taxa de câmbio real. Para perceber melhor o conceito que eu uso, podem recorrer a esta FAQ da OCDE.

9 comentários

Comentar post