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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

Miss Piggy

Tiago Moreira Ramalho, 31.05.10

Hoje, numa das muitas pausas, que parecia uma alforreca, eu, botei no canal da televisão por cabo National Geographic e vi um documentário sobre animais que trabalham – curiosa ironia. Um deles era sobre a Miss Piggy, uma porquinha de uma raça que lavra a terra não com as unhas dos pés mas com a focinha. Ora, a Miss Piggy foi atacada por um lince, um animal maldoso, portanto, que lhe desfez a orelhita esquerda, era ela pequenina. Os donos só se aperceberam que ela tinha sobrevivido quando começou a mexer as patinhas, como o bolinhas, e foram senhores de lhe mandar fazer seis operações. No fim, digamos, ficou rija. E gorda. Mas como andava em tratamentos, ficou na casa dos donos. Foram nove meses, até que os flatos da bardajona não se aguentavam mais. Resultado: problemas de personalidade. A porca ficou a pensar que era um cão, diziam os senhores da televisão. Nada de especial neste mundo que é o nosso. O desespero dos insensíveis donos não eram os padecimentos da porquinha, que estava à beira de ir fazer a transformação cirúrgica, mas sim o facto de ela não lavrar terra. Fidalga, a puta. Deitava-se na relva, com o majestoso papo virado para o ar, enquanto a plebe suína se esfalfava no campo. A dona, muito simpática em frente à televisão, pedia-lhe encarecidamente que trabalhasse. Nada feito. A solução foi drástica: botaram uma porca uma estação mais velha na mesma casota da Miss Piggy e, depois de esta última dar uma valente mijadela no meio do chão, para mostrar quem manda aqui, lá levou umas mordidelas e despertou do encantamento canino. Era uma porca outra vez. No fim do programa, alegria, lá se viu a porca a percorrer o seu caminho até um sítio bem catita para lavrar. De focinho sujo, regozijava-se – e os donos também. Eu, no sofá, a comer um dos muitos chocolates, só pensava no que era preciso para que houvesse mais crianças em Portugal.

O historiador «fascista»

Tiago Moreira Ramalho, 31.05.10

A jornalista São José de Almeida reuniu, para uma notícia, chamemos-lhe assim, um conjunto imenso de historiadores cujo denominador comum é terem as mesmas posições sobre o objecto da dita notícia, chamemos-lhe assim. A jornalista São José de Almeida cansou-se para nada. O longo artigo é apenas um amontoado de evidências para a conclusão geral dada por Rui Ramos. Se formos mauzinhos, podemos dizer que a jornalista São José de Almeida fez o favor de publicar, sem saber, um ensaio de Rui Ramos sobre a academia portuguesa. Leiam-se os quatro últimos parágrafos:

 

«Rui Ramos lamenta que não se viva com naturalidade as divergências de interpretação. "Vivemos num mundo muito diferente do que eu vivi em Inglaterra ou em Espanha, onde nos mesmos seminários, congressos e departamentos convivem pessoas com ideias muito diferentes, discutindo acalorada ou friamente, mas debatendo e divergindo. Pessoas que se respeitam e vêem o trabalho dos outros com respeito."
Nesses países, insiste, há "uma nítida ideia de que a História é plural" e há quase tantas correntes como historiadores. "A universidade puxa à contradição e à crítica."
Em Portugal, diz, é diferente. "Convivemos mal com a pluralidade, achamos sempre: "A verdade é minha."" Vai mais longe: "A originalidade é mal vista. Por vezes, as teses têm dados num sentido, mas as introduções e as conclusões dizem o contrário porque os alunos querem repetir o pensamento dos orientadores. Há uma sujeição à hierarquia e os departamentos são marcados por correntes."
Não há matizes, garante. "A História é a preto e branco, ou genial ou porcaria, ou esquerda ou direita", sendo certo que, por vezes, nem é a questão ideológica que move os historiadores. É a "vassalagem" ao pensamento dominante.»

Gang-bang transatlântico

Tiago Moreira Ramalho, 30.05.10

 

Mais que a parvoíce do Chico Buarque, que não interessa a ninguém, a nação deveria estar preocupada com os namoricos para que José Sócrates nos empurra sempre que pode. Provavelmente com um distúrbio qualquer, o nosso PM almeja observar, sorrindo, um poderoso gang-bang transatlântico entre o nosso país, um rectângulo dito de primeiro mundo, e os países menos recomendáveis do globo. Gosta de mauzões, o senhor.

A diplomacia é, aliás, uma das marcas mais negativas que o pós-Sócrates terá. Tanto para o exterior como para o self-respect (não encontro expressão em português, o que não deixa de ser curioso) nacional. Desde votar em piromaníacos anti-semitas para altos cargos da UNESCO a enrolar-se em frente às televisões com ditadores, nada ficou por fazer a este deslumbradozinho com vontade de ser estrela internacional. E nós que nos lixemos, portanto.

Correio

Tiago Moreira Ramalho, 30.05.10

O blogue A Douta Ignorância, de longe o melhor - por único - blogue highbrow português, está desejoso de receber correspondência de leitores (e leitoras) dedicados (e dedicadas). O e-mail é adoutaignorancia@sapo.pt - muito elegante - e a resposta é quase certa. Com jeitinho, porque somos magnânimos, publicaremos um ou outro contacto, para que se perceba que quem nos lê não é bem igual a quem lê outras coisas que por aí se publicam.

O caminho da santidade é espinhoso (2)

Rui Passos Rocha, 30.05.10

Acresce que um tal pessimismo, pelo menos no caso de Lenine, tem menor potencial destrutivo do que o optimismo. Acreditar que a sociedade é o resultado de manipulações oligárquicas burguesas é o melhor pedestal erigível à insaciedade e à insanidade governativas: a partir daí, qualquer fracasso será resultado da tal manipulação inicial, não do novo estado de coisas. No final de contas, então, o marxismo pode ser esvaziado do seu sentido filosófico e tornar-se o melhor atestado de competência para sociopatas com a mania das grandezas.

O caminho da santidade é espinhoso

Rui Passos Rocha, 30.05.10

O marxismo é um reino de pessimismo: a sociedade deve ser reequacionada de modo a que a inveja (pedindo de empréstimo uma das características da ética de Schopenhauer) seja abolida em favor da piedade (a outra). Esse processo, dizem-nos os teóricos, será longo e gradual - e acabará por destruir as bases da economia burguesa. Mas assim que a revolução marxista falha, a sociedade burguesa regressa e a inveja ressuscita mais depressa do que havia sido esquartejada. O marxismo é, então, anti-natural e dele resulta um pessimismo antropológico. Até Lenine, o mais inquebrantável dos optimistas, morreu descrente - se bem que não em relação às suas brilhantes ideias, mas à maleabilidade da mente dos russos.

Rousseau

Bruno Vieira Amaral, 30.05.10

"Os teus Timorenses pertencem menos ao bom selvagem de Rousseau do que aos mujiks de Tolstoi. Estão na condição de homem natural não porque se despojaram de todas as maldades do homem civilizado mas porque nunca conseguiram atingi-las, restando-lhes nesse labor o carácter naturista de serem escravos dos instintos humanos na sua versão mais primária: conforto, orgulho, desejo."

 

Peregrinação de Enmanuel Jhesus, Pedro Rosa Mendes, Dom Quixote

Sumiram-se. Sumiu-se.

Tiago Moreira Ramalho, 30.05.10

A alma humana é porca como um ânus

E a Vantagem dos caralhos pesa em muitas imaginações.

 

Meu coração desgosta-se de tudo com uma náusea do estômago.

A Távola Redonda foi vendida a peso,

E a biografia do Rei Artur, um galante escreveu-a.

Mas a sucata da cavalaria ainda reina nessas almas, como um perfil distante.

 

Está frio.

Ponho sobre os ombros o capote que me lembra um xaile —

O xaile que minha tia me punha aos ombros na infância.

Mas os ombros da minha infância sumiram-se antes para dentro dos meus ombros.

E o meu coração da infância sumiu-se antes para dentro do meu coração.

 

Sim, está frio...

Está frio em tudo que sou, está frio...

Minhas próprias ideias têm frio, como gente velha...

E o frio que eu tenho das minhas ideias terem frio é mais frio do que elas.

 

Engelho o capote à minha volta...

O Universo da gente... a gente... as pessoas todas!...

A multiplicidade da humanidade misturada

Sim, aquilo a que chamam a vida, como se só houvesse outros e estrelas...

Sim, a vida...

Meus ombros descaem tanto que o capote resvala...

Querem comentário melhor? Puxo-me para cima o capote.

 

Ah, parte a cara à vida!

Levanta-te com estrondo no sossego de ti!

 

 

Álvaro de Campos

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