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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

Massa verdinha

Tiago Moreira Ramalho, 28.02.11

A Isabel Stilwell, pilar fundamental da elite intelectual portuguesa, acha que os recibos-verdes foram inventados pelo Estado. A seguir vai dizer-nos que lhe deu no outro dia a sensação de que a Terra gira à volta do Sol, esperem para ver.

A Oportunidade

Tiago Moreira Ramalho, 28.02.11

Colocar a discussão sobre as revoltas na Tunísia, no Egipto e restantes levantamentos numa dicotomia entre homens fortes e islamitas é, podemos dizê-lo, uma simplificação útil ao colunismo internacional. Para quê especificidades, se podemos transformar o mundo num simples duelo entre dois futuros estanques?

O fundamental é que quem está a fazer borbulhar o Norte de África e o Médio Oriente não são os exércitos dos homens fortes ou os sermões dos líderes religiosos. São os jovens, muitos deles sem qualquer tipo de ligação religiosa, os grandes responsáveis. E se é certo que, no meio da revolta, a manipulação e o aproveitamento são possíveis, isso está longe de ser um dado adquirido. O único dado adquirido é que toda a região está a ter uma oportunidade rara de se libertar da opressão tanto dos exércitos como dos clérigos e sucumbir à simples e elementar democracia liberal.

Deolinda, agora com números

Priscila Rêgo, 27.02.11

E com mais calma. Agora que a comunicação social terminou a sessão de masturbação colectiva com os números do desemprego, o ambiente está muito mais propício a algum pensamento crítico. Os jornais têm a teoria de que a letra dos Delinda retrata fielmente a realidade nacional. Descobriram-no nas primeiras estatísticas do emprego publicadas depois da música, curiosamente. Eu não sei. E, como não sei, fui tentar descobrir. Logo aí fiquei em vantagem.

 

Quando escrevi o post anterior, não tinha ainda acesso aos números oficiais do INE. Entretanto, consegui lançar-lhes mão, mas tratei-os de forma ligeiramente diferente daquilo que foi feito pela comunicação social. Em vez de apenas comparar taxas de desemprego (nacional vs. jovem), introduzi uma nuance: fi-lo para dois períodos temporais. Isto porque a letra dos Deolinda não diz que os jovens estão em pior situação do que os seus pais: diz que este diferencial aumentou hoje face àquilo que era regra. Daí que se fale hoje numa “geração Deolinda”.

 

O gráfico de baixo mostra a taxa de desemprego nacional e a taxa de desemprego jovem (dos 15 aos 24 anos – desculpem, mas para mim, e por muito que eu gostasse, quem tem 35 anos já não é jovem). Utilizei dados anuais para limpar alguma sazonalidade, inevitável em dados trimestrais, e para amenizar o facto de os erros de medição aumentarem quando a amostra é menor, como acontece com o universo dos jovens. Usei 1998 por ser o último ano em que Portugal cresceu de forma robusta. Assim, não há desculpas.

 

 

A taxa de desemprego é superior nos jovens? Sim. Isso é novidade? Hum… não. A taxa de desemprego cresceu de forma idêntica nos dois lotes. Há de facto uma diferença, mas demasiado marginal para justificar o alarido gerado na comunicação social (e para se ver a olho nu, já agora). O que também não me espanta: é raro o alarido ser despertado por alguma coisa tão substancial como números oficiais. A não ser, claro, os números de vendas de jornais.

 

Há outra ideia na música dos Deolinda: os jovens estão hoje pior do que ontem mas isso é particularmente verdade para os jovens licenciados – a tal história dos estágio de borla. É isso que acontece? Nalgumas cabeças, CLARO!!! (com caps lock e vários pontos de exclamação, caso contrário tem menos impacto). Mas o Instituto Nacional de Estatística tem uma opinião diferente. Ora vejam em baixo.

 

 

 

Comparei a taxa de desemprego nacional com a taxa de desemprego dos licenciados e a taxa de desemprego dos jovens licenciados. Entre 1998 e 2010, ela cresceu em todos os segmentos. De forma diferenciada? Não, da mesma forma: por um factor que varia entre 2,1 e 2,3 (não é possível saber isso com precisão através do gráfico, mas eu fiz os cálculos). Onde está a novidade? Não há. Confirma-se o que já se sabia: os licenciados têm melhor situação do que os não licenciados e os jovens têm pior situação que os mais velhos. O segundo efeito, aparentemente, supera o primeiro. Hoje, como ontem. E na mesma medida.  

 

Como se explica, então,  o sucesso da música dos Deolinda? Não tenho uma teoria definitiva, mas eu apontaria para o facto de a subida uniforme do desemprego produzir mais desempregados não licenciados e mais desempregados com licenciatura. Mas os desempregados com licenciatura têm mais poder reivindicativo e mais a ganhar: estágios profissionais para licenciados, bolsas de investigação para trabalhar numa universidade, um posto na Adminstração Pública. Não estão em maior número - só gritam mais. 

 

Este efeito será provavelmente exacerbado pelo facto o crescimento do desemprego se ter feito sentir sobretudo em áreas do saber com acesso privilegiado aos media: cinema, artes, letras, comunicação social, alguma educação, eventualmente Direito. Os engenheiros em boa situação profissional estão caladinhos nos seus gabinetes. Os jornalistas desempregados estão a endrominar a cabeça dos colegas que conseguiram emprego.

 

Oriana Fallaci

Rui Passos Rocha, 26.02.11

Mais de um ano depois de ter encontrado o melhor título de livro, o Missionary Position do Christopher Hitchens (sobre a Madre Teresa), encontrei hoje a melhor dedicatória de livro: «a todos aqueles que não amam o poder», no Entrevista com a História de Fallaci. Só uma mulher com cojones faria em 1979 esta entrevista a Khaddafi.

Forma e conteúdo

Rui Passos Rocha, 18.02.11

O problema do estilo versus substância é particularmente importante no caso de músicas de intervenção, como a dos Deolinda. A arte (no caso, a música) é tanto melhor quanto melhor for a descrição que faz de um ou mais objectos; a ciência, pelo contrário, é tanto melhor quanto mais distanciado estiver o observador do(s) seu(s) objecto(s) de estudo. Como disse António Damásio a uma das últimas LER, «a ciência e a arte, no fundo, têm a mesma finalidade», explicar algo. «A diferença é que na arte cria-se um objecto e na ciência tenta-se descobrir como é que o objecto funciona e está estruturado». Como? Com distanciamento, com a comparação do objecto com outros que se assemelhem, com sistematização e método. Normalmente é a arte que descobre e descreve algo e abre a porta a que a ciência o explique. A arte é mais forma do que conteúdo; a ciência é conteúdo antes de forma. Autores como David Foster Wallace fazem óptima arte porque se preocupam com o conteúdo («Probably the most dangerous thing about an academic education–least in my own case–is that it enables my tendency to over-intellectualise stuff, to get lost in abstract argument inside my head, instead of simply paying attention to what is going on right in front of me, paying attention to what is going on inside me»); e cientistas como Hans Rosling fazem óptima ciência porque se preocupam com a forma (ver aqui um e outro exemplos).

Deolinda, esse fenómeno

Priscila Rêgo, 17.02.11

O problema não é bem com os Deolinda. São artistas. É compreensível que as preocupações de estilo se sobreponham às de substâncias. Mas a comunicação social, os opinion-makers e os economistas com acesso ao espaço mediático tinham o dever e a obrigação de não seguir o rebanho e alicerçar o respectivo discurso em algo mais sólido do que preconceitos e ideias feitas. Para bitaites, já cá estão os bloggers.

 

Eu não ouvi a música dos Deolinda, mas pela letra e pelo que tenho lido por aí (os jornais fizeram um extraordinário trabalho de apresentação da música como se de um paper se tratasse), parece-me que há três ideias subjacentes: a) a situação dos jovens no mercado laboral está cada vez pior; b) uma licenciatura não vale nada; c) isto é tudo uma grande merda. Para ilustrar isto, recorrem à imagem do jovem licenciado sem emprego, que salta de estágio não remunerado em estágio não remunerado.

 

Este retrato é verdadeiro? Utilizando esse óptimo instrumento de análise da realidade que são os conhecimentos pessoais, eu diria que é, mas apenas em parte. A maioria dos jovens licenciados não estagia de borla. Não conheço estudantes de medicina veterinária, engenharia, matemática ou gestão a submeterem-se a longos períodos de trabalho em regime de voluntariado (o que não significa que não haja casos pontuais; significa apenas que são estatisticamente pouco relevantes). O fenómeno pode, contudo, estar mais generalizado em áreas de baixa empregabilidade, onde a concorrência é maior e o salário de equilíbrio pode aproximar-se do zero nos segmentos com menos experiência laboral.

 

A minha teoria é que o segundo grupo tem um acesso desproporcionado aos meios de comunicação social, o que dá uma imagem distorcida do que se passa de facto no mercado laboral. Os políticos são sobretudo formados em Direito, onde o desemprego tem estado a crescer (parece-me que por barreiras corporativas à entrada na profissão, embora não domine bem este assunto). Os artistas mais novos, como os Deolinda, serão, presumo, formados em cinema ou algo relacionado com as Belas Artes. E os jornalistas, que são quem gere todo o fluxo informativo, são também uma classe a passar por provações cada vez maiores.

 

Mas, em média, os números não enganam: Portugal continua a ser um dos países em que estudar mais compensa. O diferencial, medido na probabilidade de cair no desemprego e na remuneração expectável, é um dos mais altos da OCDE. É uma desgraça que tantas vezes se ouça dizer o contrário: não há melhor forma de desincentivar o estudo, piorando ainda mais as perspectivas dos nossos jovens. Quem tiver mais apreço pelos dados do que pelo olhómetro pode consultar este estudo de Pedro Portugal, investigador do Banco de Portugal e uma das poucas cabeças que consegue falar com propriedade acerca de mercado laboral.

 

Claro que a situação dos jovens pode de facto estar pior do que há 10 anos. Mas era bom que algumas destas ressalvas, pontos e interrogação e notas de precaução fossem incluídas nas peças e artigos acerca da "Geração Deolinda". Por que é que tal não acontece? Gostava de acreditar que é por ignorância ou falta de formação. Mas não creio que seja. Provavelmente, é porque vende menos jornais.

 

 

 

 

 

Hey bloggers, bite me [2]

Rui Passos Rocha, 16.02.11

A propósito do texto de há dias:

 

[...] Montaigne’s literal self-centeredness has more in common with the self-portraits of the Renaissance painters who created the form (one element in an evolving complex of ideas about Man and his place in the universe), than with the compulsive exhibitionism of today’s Facebook or Twitter users. For Montaigne it’s a matter not of self-display to the world, but of self-discovery in the world and through engagement with it. Writing in the way he does is essential to that process, as he quietly contemplates the workings of his own mind. He has none of the blogger’s fear of silence or the desperate modern need to connect and communicate.

Aluga-se post

Rui Passos Rocha, 16.02.11

Os contratos de arrendamento imobiliário poderiam ser mais flexíveis. Em vez de nos ficarmos por um valor fixo, uma alternativa seria que o valor médio fosse, a partir do segundo mês, reduzido ou aumentado, dependendo de factores contratualizados -assim, em vez de se pagar sempre, vá, 500€ por um apartamento esse valor cairia 10% (para 450€) ou subiria 10% (para 550€) dependendo de terem ou não sido feitos estragos. O bom arrendatário beneficiaria de um desconto, que não tem por se ter instituído o preço médio; e o mau arrendatário seria penalizado e teria de tratar do problema gerado. A prazo isto levaria a maioria a baixar o preço inicial, ou médio, dos arrendamentos, porque haveria um incentivo para não estragar. Mas há dois aspectos a ter em conta: este modelo implica não só uma inspecção inicial mas também que o proprietário visitasse o apartamento uma vez por mês, por exemplo; e há a possibilidade de o custo para compor algo ser superior ao benefício da redução de preço, que aconteceria caso o problema fosse resolvido. Alguém tem ideias?

Lentes

Rui Passos Rocha, 11.02.11

Vamos todos combinar uma coisa: prosperidade em direitês mede-se ao euro, mas em esquerdês requer sobretudo esquadro ideológico. As lentes com que lemos PS, PSD e CDS-PP são distintas daquelas com que devemos ler PCP e BE, sob pena de impulsivamente tomarmos estes últimos como cínicos e críticos destrutivos. Quando PCP e BE falam de «uma alternativa democrática de esquerda» falam mesmo de uma alternativa, coisa sem maquilhagem, que é democrática e de esquerda, a ponto de - dêem-lhes rédea longa e verão - poderem até ser iliberais e anti-parlamentares.

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