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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

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Ler por interposta pessoa

Tiago Moreira Ramalho, 06.09.11

Não sei ouvir ler. Palavra que me sinto um ser estranho, num mundo em que todos se deliciam com a leitura alheia partilhada pelos meios que o século permite, mas não suporto isso de ouvir ler. Principalmente se se trata de poesia. A leitura da poesia é a menos transmissível das coisas. Porque aquilo que eu leio é diferente daquilo que tu lês e isso traduz-se na forma como lemos. Por isso, ouvir-te ler é simplesmente sentir as emoções que tu achas no texto e não sentir as emoções que eu acharia. Ouvir ler é como mascar pastilha gasta, sem sabor. É pensar que nos ilustramos, porque conhecemos a obra, mas é essencialmente oco, porquanto conhecemos uma obra cujo esquecimento nem será necessário, dado que nunca foi presença real. Mesmo, e este é o fenómeno digno de estudo, quando é o próprio autor do texto a lê-lo. Porque o autor do texto só é dono dos substratos das páginas enquanto as produz. No dia em que, assinando, exclama, correndo pelas ruas, as mais das vezes vestido, que terminou, há uma espécie de transmissão ininterrupta de toda a liberdade criativa para quem se digna a ler. Não quero saber o que querias desse poema. Só quero saber que agora é meu.