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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

Uma ciência artística

Tiago Moreira Ramalho, 11.10.11

Não conheço a obra dos últimos laureados para o (chamado) Nobel da Economia, mas também não é isso que pretendo discutir. O que pretendo discutir é se podemos ou não olhar para a Economia como uma ciência ou nos teremos de resignar a chamar-lhe arte, como escreve o João Galamba.

Há dois argumentos que são particularmente repetidos nesta discussão. As relações causais não podem ser estabelecidas na Economia porque, em primeiro lugar, todas as acções dos agentes são contingentes (argumento que o João usa) e, em segundo lugar, porque não podemos fazer experiências controladas, o que nos impediria de saber o real efeito de cada acção de um agente (argumento que o João, felizmente, não usa). Curiosamente ou não, ambos os argumentos partilham a mesma fonte de desgraça: facto de assumirem, sem demonstrarem, que um obstáculo ao desenvolvimento da ciência constitui um entrave absoluto ao seu desenvolvimento. Estes obstáculos até poderiam ser inultrapassáveis, é um facto. No entanto, nada nos diz que o são. E é até bastante plausível que o não sejam.

A impossibilidade de criar experiências controladas para testar teorias não é exclusiva da Economia. Pensemos nas ciências ‘naturais’. Já alguém conseguiu meter um satélite à volta de Júpiter para ver se orbita? Não. No entanto, ninguém nega o carácter científico da Astronomia. Mesmo se nos primeiros duzentos anos havia gente a dizer que a Terra era o centro do universo e semelhantes coisas.

Já a multiplicidade de contextos e a variabilidade de comportamentos dos agentes dificilmente constituirão impeditivos do desenvolvimento de regras de causalidade em Economia. A única coisa que tem de se perceber é que em vez de a regra ser simplesmente ‘Se A, então B’ (que são, verdade se diga, bastante raras), tem de ser ‘Em C, se A, então B’ (muito mais comuns). Se eu atirar uma pedra para o chão aqui onde estou, ela vai cair; se eu a atirar para o chão num outro planeta, ela talvez flutue (isto é um contexto, mesmo que possa ser incluido na teoria científica). E para se descobrir aqueles ‘C’s, temos ainda de passar muitos e bons séculos a estudar o que os define, pegando nas irmãs marrecas da Economia, geralmente pouco interessantes para os actuais ‘artistas’ – a Psicologia, a Sociologia ou a Antropologia. Ou isto, ou continuar convictamente a fazer acrobacias.

11 comentários

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    PR 12.10.2011

    Isso também se podia dizer da física e biologia entre os séculos XV e XIX [um mundo na periferia do sistema solar e humanos a descender de primatas também tinham implicações políticas muito fortes para uma instituição com bastante importância na altura]
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    Luís Lavoura 12.10.2011

    Calma Priscila, não saia pela tangente.

    As implicações políticas, nos casos do copernicianismo e do darwinismo, eram só para uma das partes do debate. Foi a Igreja quem conotou essas teorias com certas implicações políticas, que os seus proponentes, porém, não defendiam.

    No caso da economia, porém, praticamente todas as proposições têm implicações políticas. Quaqluer que seja a teoria económica, faz-se uma proposta política de atuação (ou de não-atuação, que é também uma forma de atuar), atuação essa que, inevitavelmente, beneficia uns e prejudica outros.

    No caso do copernicianismo e do darwinismo, porém, não há qualquer recomendação para qualquer atuação. As teorias não recomendam que se faça nada (aliás, nada pode ser feito). Apenas pretendem descrever a realidade de uma certa forma.

    Se a Priscila considerar, por exemplo, as diversas teorias sobre a génese da atual crise económica, verá que todas elas não se limitam a descrever a realidade, mas de facto prescrevem uma atuação que os governos deverão ter. Ou seja, não temos simplesmente "economia" mas temos de facto, como se dizia no tempo de Adam Smith, "economia política".
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    Luís Lavoura 12.10.2011

    Já agora, a ausência de implicações políticas óbvias do copernicianismo está patente no facto de Copérnico ser ele próprio um clérigo (padre, creio aliás mais do que isso). Não era para ele óbvio - tal como não é óbvio para os cristãos atuais! - que a teoria de Copérnico fosse de qualquer forma contra a visão cristã do mundo. Só a Igreja da altura é que resolveu fazer birra contra ela.

    (Já o darwinismo é bastante mais problemático.)
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    Anónimo 12.10.2011

    Luís,

    A situação da economia é igualzinha à da física.

    A economia descreve a realidade. Se controlamos preços, a oferta diminui. Se subimos juros, o desemprego aumenta.

    As prescrições são feitas a posteriori, consoante os objectivos. E estes não decorrem da teoria. Pessoas que partilhem a mesma teoria podem perfeitamente fazer prescrições diferentes: menos impostos se o objectivo é aumentar o bolo, mais impostos se o importante é redistribuí-lo.

    Em Física, é a mesma coisa. A Física não lhe diz que deve levar o homem à lua ou que o deve manter cá em baixo. Limita-se a constatar que se o quiser fazer mais vale utilizar determinados cálculos do que apelar à bondade dos deuses, fazer a dança da chuva ou bater as asas para navegar através do éter.



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    Nuno Gaspar 12.10.2011

    Tudo tretas. Porque é que no Brasil a taxa de juro é alta e a taxa de desemprego é baixa. E por que é que nos EUA a taxa de desemprego é alta e a taxa de juros é baixa. Romances, é o que é. E romances não fazem um avião levantar vôo. Depois dos fundamentalistas religiosos, os que tratam a economia por ciência estão entre as pessoas mais perigosas do planeta. E a quem devemos mais desastres e injustiças.
  • Ui, agora é que entrámos em hardcore macroeconomics. Acho que vou queimar os livros e dedicar-me à pesca.
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    Nuno Gaspar 12.10.2011

    Calma, Tiago. Há romances que vale a pena ler. O único problema é atribuir-lhe capacidades preditivas que comprovadamente não têm. Se tem dúvidas, investigue tudo o foi escrito há 5 anos sobre a evolução da economia mundial e contabilize quantos autores acertaram. Ou coleccione o que se escreve actualmente e guarde numa caixa para abrir daqui a outros cinco anos. Ou até guarde só o que escrevem os poucos que acertaram np passado. Topa?
  • Oh Nuno, que raio, eu não quero ser desagradável, mas perca lá um minutinho antes de escrever. Eu gosto muito de ter comentários, mas eu perdi mais de um minutinho a escrever o diabo do texto... acho que mereço a consideração.

    Eu cá não estou a dizer que os economistas acertam. Aliás, eu comparo os economistas aos astrónomos dos primeiros anos. E, vamos lá a ver, se há coisa que esses barbudos não faziam era acertar uma que fosse. A minha defesa recai simplesmente sobre a possibilidade da Economia como uma ciência, com relações causais que, simplesmente, ainda são complexas de mais. Topa?
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    Nuno Gaspar 12.10.2011

    Não. Topo se disser que a única possibilidade científica da Economia é afirmar que as suas relações causais não são ainda complexas demais mas sim necessariamente complexas demais para que as suas predições ultrapassem o crivo céptico da racionalidade.
    Mas afinal já leu Taleb ou não? É que ele explica tudo isto direitinho, com estatística e tudo. E, tarde ou cedo, vai receber dois prémio Nobel da Economia seguidos; isto se essa instituição se pretender manter alguma credibilidade.
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    Nuno Gaspar 13.10.2011

    E se, por acaso, tiver conhecimento de algum autor que refute as suas teses com mais consistência agradeço o indique. Tenho sincero interesse nesse tema.
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