O Chile aqui tão perto
Para quem ainda não reparou, também há neoliberais caceteiros. Alguns dos blogues políticos mais famosos da praça alojam alguns espécimes.O sistema político deles é praticamente perfeito: com menos freios a iniciativa privada é mais livre, a competitividade e a mobilidade aumentam. Os impostos convém que sejam baixos, bem baixos. Com liberdade e maior riqueza, só os tolos se importarão com a crescente desigualdade. A não ser que... A não ser que o povo se importe mesmo com a desigualdade e com uma democracia que deixa os cordéis nas mãos de uma minoria dentro de uma minoria. Nesse caso terão duas opções: ou vão paulatinamente cedendo no seu fundamentalismo, o que é pouco provável em caceteiros, ou estarão dispostos a muscular a democracia. Nenhuma sociedade ideal admite invejosos.
Tudo menos caceteira é a ideia de maior educação contra a inveja social: o instinto competitivo que nos faz olhar de lado quem é mais bem sucedido pode ser aplacado com instrução. Mas não me parece que isto seja inteiramente correcto: se o objectivo for reduzir a percepção de injustiça na distribuição de rendimentos convém não entregar as nozes todas aos dentes de quem aproveitará para aumentar a injustiça efectiva. A educação contra a inveja será importante, mas se precedida de maior justiça na redistribuição de rendimentos.
Convém não generalizar o caso de Portugal, país onde a enorme desigualdade (quando comparada com os restantes países da OCDE) parece estimular sobretudo apatia em relação à política. Noutros lados a apatia inicial já deu lugar a mobilização. Aliás, tendo em conta que os índices de satisfação com o governo são maiores nos países em que o desempenho económico é melhor (quer sejam democráticos quer autocráticos), imagino que, entre esses países, seja nos que têm liberdade de informação que é maior o perigo de explosão da mobilização descontente pós-apatia.
Por isso convém perguntar: querem ser o Chile da ditadura do regime militar, os Estados Unidos do sistema político minado e do descontentamento generalizado ou algo menos dado a contestações civis?