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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

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Compreender a Alemanha

Priscila Rêgo, 13.02.12

Imagine o leitor que um familiar endividado, preguiçoso e pouco trabalhador lhe pede um empréstimo para pagar dívidas de jogo. A sua relação com o familiar em causa orbita naquela zona cinzenta dos laços familiares: não está suficientemente afastado para o abandonar à sua sorte sem ficar com remorsos; mas também não está tão próximo que se sinta confortável em dar-lhe o dinheiro sem ter garantias de que será ressarcido.  

 

Do seu ponto de vista, o ideal é conceder um empréstimo tão volumoso quanto o necessário para que o seu famíliar possa pagar as suas dívidas de jogo e, arrumado esse problema, dedicar-se a trabalhar e gerar rendimentos para lhe devolver o dinheiro num futuro próximo. Mas o seu familiar pode ter uma visão ligeiramente diferente das coisas. É possível que esteja a olhar para o empréstimo como um simples balão de oxigénio para alimentar vícios e continuar a viver como até aqui.  

 

O leitor pode fazer um acordo com o seu familiar, em que aceita emprestar-lhe dinheiro desde que ele se comprometa a mudar de vida. Mas este acordo é um risco: pura e simplesmente não há forma de garantir que, uma vez emprestado o dinheiro, o seu familiar cumpra a sua parte. Há uma assimetria fundamental entre as duas partes que restringe o tipo de acordos que podem ser estabelecidos. 

 

A solução mais provável para este impasse é um empréstimo condicional: pequenos montantes, libertados em tranches, acompanhados de um controlo rigoroso de aplicação do financiamento. O leitor acabará por exigir ao seu familiar que cumpra um plano de apresentação no centro de emprego, que lhe comunique as diligências que tomou para encontrar posto de trabalho e que lhe entregue os recibos das suas despesas mensais. Uma espécie de plano de austeridade. 

 

Do ponto de vista de um observador externo, tudo isto parece anacrónico: obriga-se um pobre diabo a utilizar uma boa parte do seu tempo a tratar de burocracias em vez de procurar activamente emprego. Mas do seu ponto de vista, esta é a única solução para contornar a falta de confiança que tem no seu familiar. A situação é trágica especialmente para o seu familiar. Mesmo que esteja de boa vontade, ele não tem forma de revelar ao leitor que tenciona cumprir a sua parte. O "plano de austeridade" é o corolário desta assimetria entre as partes.  

 

É algo deste género que se passa entre a Grécia e a Alemanha. A dose de austeridade que está a ser aplicada em Atenas é de tal forma aguda que acaba efectivamente por diminuir a probabilidade de gerar rendimentos para pagar a dívida que já foi contraída. Para um credor como a Alemanha, faz todo o sentido afrouxar a pressão sobre a Grécia e permitir-lhe recuperar a sua economia antes de começar a pagar a dívida. Mas apenas se houver garantias efectivas de que a contraparte está de boa vontade no processo. Como essas garantias não podem ser dadas, um controlo apertado das contas e reformas impostas "de fora" tornam-se inevitáveis.

 

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