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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

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É pena

Priscila Rêgo, 29.07.10

Henrique Raposo pergunta aqui por que carga de água é que os funcionários públicos têm o benefício ilegítimo da ADSE. Mas eu nem sequer tenho a certeza de que a ADSE deva ser vista como um benefício ilegítimo. Há imensas empresas que dão regalias não salariais aos seus trabalhadores, sem que tal seja considerado ilegítimo seja por que prisma for. A minha empresa, aliás, oferece-me ginásio pago e um seguro de saúde que com vantagens análogas às da ADSE. Não me sinto em dívida para com ninguém.

 

Por que é que o Henrique Raposo critica a ADSE e não o nível salarial da Função Pública (bastante superior ao que se verifica no sector privado, mesmo depois de controlar factores como os anos de experiência ou o nível de educação)? Suponho que seja devido à mesma razão pela qual se ouvem mais críticas aos bónus e aos carros e motoristas do presidente da Águas de Portugal do que propriamente ao seu salário: porque é mais visível. Salários altos, há aos montes. Mas carro de marca e motorista da empresa não é para todos. Como se o critério de aferição da justiça de um bónus fosse a sua distribuição estatística pelo resto da população e não a produtividade de que a recebe.

 

A Função Pública tem, mais coisa menos coisa, 600 mil trabalhadores. Leram bem, 600 mil. Alguns ganham mais do que ganhariam no sector privado. Outros, sobretudo os que estão no topo, ganham muito menos. Alguns progrediram na carreira com facilidade. Outros, estão a recibos verdes há anos, não têm ADSE nem progressões na carreira. Não chegam sequer a contar para as estatísticas. E todos, sem excepção, tiveram actualizações salariais inferiores à inflação durante os últimos 12 anos (só 2009 escapou à regra). Perante uma realidade tão vasta e diversa, começar a conversa a dizer que a Função Pública é uma casta de gente privilegiada que vive, literalmente, acima do resto das pessoas é capaz de não ser bom princípio. Imaginem, se voz faz confusão, que diziam isto dos banqueiros.

 

Eu gosto de ler o Henrique Raposo. Mas duvido que o tom que imprime à prosa, e sobretudo a ligeireza com que aborda tudo o que diz respeito à Função Pública, lhe tragam leitores fora do seu apertado reduto ideológico. O que é uma pena. A última coisa de que os liberais precisam é pregar aos convertidos.

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