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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

Diálogo imaginário

Priscila Rêgo, 12.09.12

O Estado não pode subir impostos para cortar o défice, tem é de cortar na despesa.

 

Porquê?

 

Porque subir impostos corta rendimento. Aprofunda a recessão.

 

Mas cortar despesa também. As pensões são despesa pública e rendimento de quem as recebe.

 

Mas eu falo da despesa da máquina do Estado, não é a despesa das pessoas.

 

Mas a máquina consome basicamente salários e bens e serviços, que também é rendimento dos funcionários públicos e das empresas.

 

Ah, mas eu falo da despesa supérflua: fundações, institutos...

 

Mas as fundações e institutos também fazem despesa em pessoas e bens e serviços. O dinheiro não é atirado ao mar.

 

Claro, mas se fecharmos fundações estamos a libertar recursos para o sector privado.

 

Sim, mas o efeito é o mesmo: aprofunda a recessão. São pessoas sem emprego e bens e serviços sem procura. No curto prazo, ninguém vai pegar nesses recursos.

 

Sim, sim, mas o Estado aprende a poupar no desperdício.

 

Mas isso também é válido para a subida de impostos. As pessoas não começam por cortar na comida. Vão ao desperdício.

 

Claro.

 

E então?

 

...

 

Hum?

 

Mas se aumentarmos impostos, estamos a retirar rendimento às pessoas.

 

 

 

 

O Estado deve cortar na despesa, não sobrecarregar as famílias

Priscila Rêgo, 10.09.12

O Estado tem de cortar a sério na despesa pública e não subir impostos para sobrecarregar as famílias e empresas. O Estado deve:

 

a) Baixar salários na função pública (os funcionários públicos não são famílias)

b) Cortar na despesa social (os seus beneficiários também não são famílias)

c) Controlar custos (os bens e serviços que compra não são receita das empresas)

d) Cortar no investimento (porque este não beneficia nem famílias nem empresas)

e) Reorganizar a administração pública, fechar fundações, repensar funções na saúda e educação (porque isto não tem impacto nem em a) nem em b), fácil de ver) 

 

Como se vê, é possível austeridade sem dor.

 

 

O elefante na sala

Priscila Rêgo, 10.09.12

Era inevitável que a subida das contribuições para a Segurança Social e manutenção prática do corte dos subsídios da Função Pública gerasse uma saraivada de críticas. Assim de cabeça, consigo pensar num monte delas: distorção das relações laborais fixadas em contrato entre trabalhadador e empregador, insistência numa estratégia de retornos marginais decrescentes, eventual inconstitucionalidade e até pouca transparência

 

Eu esperava muitas críticas. Só não esperava que fossem deste género:

 

Esta gente não consegue mesmo cortar despesa, está visto.

É melhor desistir de pensar que alguma vez o farão.

 

Este é apenas um entre muitos exemplos de uma ideia que começou a pulular por aí nos últimos dias. Quem chegasse hoje a Portugal, e se informasse junto da blogosfera liberal, ficava com a ideia de que esta legislatura tem sido uma orgia despesista, alegremente financiada com subidas de impostos a torto e a direito. 

 

Mas vamos imaginar, por um momento, que a despesa pública é aquela coisa que o INE reporta à Comissão Europeia, e não aquela outra que alguns bloggers pensam que é. O que é que isso significaria? 

  

 

 

 

 

Isto aqui é a taxa de variação da despesa anual. Vêem aquela inflexãozinha ali em 2011? Não deve ser difícil: em trinta e tal anos, é a primeira vez que acontece. E em 2012 a despesa pública volta a diminuir. O número de 2012 é ainda uma previsão mas, tendo em conta as notícias recentes, até deve subestimar a verdadeira dimensão do corte.

 

Qualquer um pode dizer que o Governo devia ter cortado mais. Só não pode - pelo menos sem inspirar algumas ironias - reagir desta forma quando se corte mais do que o esperado; nem pensar que é pouco tendo em conta a nossa tradição. A blogosfera liberal arrisca-se a fazer o papel de jornalista desportivo em vésperas de Europeu: tira da cartola o slogan 'somos favoritos' e pede a cabeça do treinador quando não faz aquilo que nem os que vieram antes dele nem os outros 14 que lá estão conseguem - ser campeão. Tenham lá paciência. 

 

 

 

Activos por activos

Priscila Rêgo, 07.09.12

N'O Insurgente, acerca do BCE:

 

O BCE propõe-se troca activos de qualidade por lixo tóxico. O balanço do banco, que já devia ser uma coisa linda, não vai certamente melhorar. E um dia vai ser preciso varrer todo aquele lixo. Mais cedo ou mais tarde.

 

Hum... Ora vamos lá pensar. Eu não percebo muito bem a ideia de dizer que estão a ser trocados activos de qualidade por lixo tóxico. O BCE vai trocar euros por dívida pública. Os euros são os tais "activos de qualidade"?

 

Mas o ponto que queria discutir é mais o suposto problema do balanço do BCE. Uma empresa e uma família têm de se preocupar com a sua folha de responsabilidades, porque demasiada dívida pode obrigar a cortes abruptos na despesa mensal (para pagar a dívida) ou, no limite, a penhoras. O balanço é um problema grave por aquilo a que pode obrigar, e pode ser afectado pela dimensão das responsabilidades ou pela desvalorização dos activos. Mas um Banco Central não pode ir à falência: ele é a única entidade que pode livrar-se dos problemas simplesmente imprimindo dinheiro. A falência é quase uma impossibilidade técnica.

 

Agora, se isto é tão simples, por que é que os BC não salvam as economias imprimindo dinheiro? Porque há o perigo de que a massa monetária em circulação alimente a inflação. Este é um perigo real - mas que é bastante diferente do perigo de um balanço de má qualidade. A qualidade do balanço do BCE só é relevante na medida em que limitar a sua capacidade de combater a inflação. Neste momento, não há nenhuma evidência de que estes limites tenham sido, ou estejam prestes a ser, atingidos.

 

Há ainda outra questão importante. A Zona Euro parece estar presa num 'mau equilíbrio', em que a perspectiva da insolvência alimenta juros elevados, e estes, por sua vez, alimentam o receio de insolvência. Se é isto que está a acontecer, a intervenção do BCE vai permitir repor a Zona Euro de novo num 'equilíbrio virtuoso, em que as taxas de juro descem, as perspectivas de insolvência diminuem e as taxas de juro voltam a descer novamente. E assim, como num passe de mágica, a "compra de lixo tóxico", por si só, tem o efeito de o transformar em "activos de qualidade".

 

 

A importância do empirismo

Priscila Rêgo, 07.09.12

Ou, pelo menos, de dar uma vista de olhos ao mundo lá fora. No Blasfémias, Rui Albuquerque diz que não há Terceira Via.

 

Não há terceira via, como bem referia Mises, mas apenas duas alternativas possíveis para uma economia nacional: ou o mercado ou o socialismo. Pela primeira entende-se a livre troca de bens e serviços estabelecida directamente pelos interessados, sem coacção nem dirigismo público e político. No modelo socialista, a livre-troca, o mesmo é dizer, a liberdade individual, é condicionada e progressivamente substituída pela decisão pública, seja fixando limites directos à escolha individual ou objectivos e preços, seja condicionando os direitos de propriedade, por exemplo, por via do aumento progressivo das cargas tributárias. Cada medida tomada pela soberania ou segue no caminho do primeiro modelo (coisa naturalmente rara) ou no caminho do socialismo (tendência predominante).

 

Talvez eu esteja a ver mal a coisa, o que provavelmente decorrerá do facto de viver num planeta diferente do Rui. Mas, naquele que eu habito, a esmagadora maioria das economias desenvolvidas são algo que gira em torno da Terceira Via: economias mistas. Pelo contrário, aquilo que é raro, quando não mesmo inexistente, são as formas puras e "socialismo" e "mercado" que o Rui Albuquerque identifica. De onde raio vêm ideias como estas?