Nova casa
Mudei-me para o Parede de casa de banho. O wc é partilhado com dois amigos. Todos são bem-vindos. (Isto soa tão mal).
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Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade
Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade
Mudei-me para o Parede de casa de banho. O wc é partilhado com dois amigos. Todos são bem-vindos. (Isto soa tão mal).
No Blasfémias, Rui Albuquerque baseia a sua argumentação contra o Governo numa evidência à vista de todos. Que é repetida tantas vezes que até fico com medo que alguém pense que é verdade. E daí insistir no tema.
O problema está em que, mais uma vez e à semelhança dos governos anteriores, este tem vindo a tomar medidas de fundo quase somente por via da receita, aumentando impostos que não têm servido para sustentar essas tais reformas necessárias a que te referes: a da estrutura operacional do estado (para o que conviria, de vez, definir onde o estado deve e não deve estar); dos custos salariais pagos para manter essa estrutura e as suas finalidades ditas sociais;
Sinto-me como o David Attenborough, quando desbrava a floresta e conduzia os telespectadores ao maravilhoso e desconhecido mundo da vida animal. Isto em baixo é a taxa de variação da despesa e receita: não tão exótico como os hábitos reprodutivos do coala australiano, mas aparentemente tão desconhecida como eles.
Eu sei que o Rui, e muito boa gente, pensa, tem certeza, sabe e não tem dúvidas de que a consolidação vem toda da receita enquanto a despesa não pára de subir. Não tenho por isso expectativa de que estes gráficos (a fonte é a Comissão Europeia) o façam mudar de opinião.
Mas para quem está habituado a pensar com algum respeito pela realidade, talvez isto dê uma ajuda.
O Estado não pode subir impostos para cortar o défice, tem é de cortar na despesa.
Porquê?
Porque subir impostos corta rendimento. Aprofunda a recessão.
Mas cortar despesa também. As pensões são despesa pública e rendimento de quem as recebe.
Mas eu falo da despesa da máquina do Estado, não é a despesa das pessoas.
Mas a máquina consome basicamente salários e bens e serviços, que também é rendimento dos funcionários públicos e das empresas.
Ah, mas eu falo da despesa supérflua: fundações, institutos...
Mas as fundações e institutos também fazem despesa em pessoas e bens e serviços. O dinheiro não é atirado ao mar.
Claro, mas se fecharmos fundações estamos a libertar recursos para o sector privado.
Sim, mas o efeito é o mesmo: aprofunda a recessão. São pessoas sem emprego e bens e serviços sem procura. No curto prazo, ninguém vai pegar nesses recursos.
Sim, sim, mas o Estado aprende a poupar no desperdício.
Mas isso também é válido para a subida de impostos. As pessoas não começam por cortar na comida. Vão ao desperdício.
Claro.
E então?
...
Hum?
Mas se aumentarmos impostos, estamos a retirar rendimento às pessoas.
A meta para o défice de 2013 passou de de 3 para 4,5% do PIB. São menos 1,5 pontos de receita que não é preciso subir ou de despesa que não é preciso cortar. Todos os keynesianos têm motivos para sorrir.
Para os outros, é indiferente.
Isto é tudo o que tenho a dizer acerca dele:
Seja pela receita, seja pela despesa
Os posts anteriores são acerca da substituição do corte dos subsídios pela subida da TSU no sector público. Resta analisar o resto do 'pacote': subida da TSU para o trabalhador e descida da TSU para a empresa.
Os efeitos económicos da despesa pública no post anterior são efeitos de longo prazo, que determinam a produtividade de uma economia e, logo, o seu PIB potencial. Mas o debate que surgiu recentemente acerca do virtuosismo do corte de despesa em detrimento da subida de impostos tem muito pouco a ver com PIB potencial, produtividade e níveis de vida.
Gerou-se um debate intenso em torno das novas medidas de austeridade, sobretudo a "troca" do corte de um subsídio pela subida da TSU para os funcionários públicos. O Governo trocou um corte de despesa por subida de receita? Bom, depende.
O Estado tem de cortar a sério na despesa pública e não subir impostos para sobrecarregar as famílias e empresas. O Estado deve:
a) Baixar salários na função pública (os funcionários públicos não são famílias)
b) Cortar na despesa social (os seus beneficiários também não são famílias)
c) Controlar custos (os bens e serviços que compra não são receita das empresas)
d) Cortar no investimento (porque este não beneficia nem famílias nem empresas)
e) Reorganizar a administração pública, fechar fundações, repensar funções na saúda e educação (porque isto não tem impacto nem em a) nem em b), fácil de ver)
Como se vê, é possível austeridade sem dor.
Era inevitável que a subida das contribuições para a Segurança Social e manutenção prática do corte dos subsídios da Função Pública gerasse uma saraivada de críticas. Assim de cabeça, consigo pensar num monte delas: distorção das relações laborais fixadas em contrato entre trabalhadador e empregador, insistência numa estratégia de retornos marginais decrescentes, eventual inconstitucionalidade e até pouca transparência.
Eu esperava muitas críticas. Só não esperava que fossem deste género:
Esta gente não consegue mesmo cortar despesa, está visto.
É melhor desistir de pensar que alguma vez o farão.
Este é apenas um entre muitos exemplos de uma ideia que começou a pulular por aí nos últimos dias. Quem chegasse hoje a Portugal, e se informasse junto da blogosfera liberal, ficava com a ideia de que esta legislatura tem sido uma orgia despesista, alegremente financiada com subidas de impostos a torto e a direito.
Mas vamos imaginar, por um momento, que a despesa pública é aquela coisa que o INE reporta à Comissão Europeia, e não aquela outra que alguns bloggers pensam que é. O que é que isso significaria?
Isto aqui é a taxa de variação da despesa anual. Vêem aquela inflexãozinha ali em 2011? Não deve ser difícil: em trinta e tal anos, é a primeira vez que acontece. E em 2012 a despesa pública volta a diminuir. O número de 2012 é ainda uma previsão mas, tendo em conta as notícias recentes, até deve subestimar a verdadeira dimensão do corte.
Qualquer um pode dizer que o Governo devia ter cortado mais. Só não pode - pelo menos sem inspirar algumas ironias - reagir desta forma quando se corte mais do que o esperado; nem pensar que é pouco tendo em conta a nossa tradição. A blogosfera liberal arrisca-se a fazer o papel de jornalista desportivo em vésperas de Europeu: tira da cartola o slogan 'somos favoritos' e pede a cabeça do treinador quando não faz aquilo que nem os que vieram antes dele nem os outros 14 que lá estão conseguem - ser campeão. Tenham lá paciência.