A idade dos extremos (2)
Digamos, agora, que “pensar em termos de um sistema […] resolve de uma penada todos os problemas da humanidade” (Kolakowski) e que, se condimentado isso com a concepção do Estado como um instrumento de opressão de classe, até premir o gatilho a alguns parecerá justificável se à esquina entrevirem a redenção. Uma democracia - sem sarcasmo, porque assim é apelidada - “em que o estado é o único empregador, oposição significa morrer lentamente de fome” (Trotsky). Num tal tipo de democracia, em que por vezes é preciso “dar uma lição ao público para que não se atreva a pensar em resistência durante várias décadas” (Lenine), até a permanência de crianças no GULAG será concebível tendo em conta que o caminho para o socialismo ainda está a ser trilhado (mulher de Lenine). Nesta democracia, plebiscitária com vencedor predefinido, dificilmente não será “cada homem um mero agente, um mero número” (Tocqueville). E nesta forma de democracia, acreditar “em duas coisas que são absolutamente diferentes e talvez até contraditórias: liberdade e organização” (Halévy) poderá ser concebível, se se procurar liberdade na organização, o dilema de Rousseau. A crença é capaz de muito, até de imaginar um regime em que “os trabalhadores serão tão produtivos que trabalharão voluntariamente de acordo com as suas capacidades […] e cada um receberá [o seu salário] livremente de acordo com as suas necessidades” (Lenine). Até Hobsbawm, o grande historiador contemporâneo e comunista ortodoxo, cede no ponto em que “a possibilidade de ditadura está implícita em qualquer regime baseado num poder único, irremovível”. E as ditaduras, como vamos sabendo, não só “corrompem absolutamente” (Acton) como são tudo o que uma Humanidade pacífica deve evitar. Se uma (comunismo) é melhor do que outra (fascismo), podendo ser verdade é acima de tudo lateral.