«As matérias de que Pedro Mexia trata derivam de vários saberes: arte, filosofia, religiões, cinema, e outros departamentos. Houve tempos em que tudo isto compunha uma mesma bagagem intelectual, que qualquer cavalheiro podia transportar sem ter de fazer declarações em diferentes alfândegas. Estamos hoje habituados a ver a erudição ao serviço de «teses», reduzida a um predicado utilitário, que valorizamos sobretudo como resultado de especialização e como ponto de partida de demonstração. Perdemos assim as noções mais necessárias. A erudição, como a plumagem de pássaros exóticos, é algo sempre excessivo para qualquer fim que se tenha em vista. A erudição real é necessariamente ociosa, vagamente injustificável. Agustina Bessa-Luís revelou algures que gosta de ler enciclopédias. É assim que se faz um erudito: não a estudar isto e aquilo, mas tudo. A erudição é um desperdício de tempo. Supõe a digressão, a distracção. O erudito é o Pedro Mexia, que, depois de ver O Processo do Rei de João Mário Grilo, vai para a biblioteca da faculdade procurar o dito processo (que exame terá sofrido com esse devaneio?). Ao contrário do especialista, o erudito não nos quer convencer: quer passar o tempo connosco, discorrer, perder-se, deambular, não ir a lado nenhum, como em qualquer conversa.»
Rui Ramos (do Prefácio ao livro «A Vida dos Outros» de Pedro Mexia)