Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

Selecção e percepção

Priscila Rêgo, 30.03.11

O jornal i fez ontem um interessante trabalho acerca da "Geração à rasca". O título é Mileuristas, ni-ni, Peter Pan, à rasca. Eles estão por todo o lado. Mas, apesar de estarem por todo o lado em termos geográficos, parecem estranhamente concentrados no que diz respeito à área de estudos: jornalismo, filologia, sociologia e ciência política. Em suma, letras e ciências sociais.

 

Pelas minhas contas, os jornalistas contactaram 26 jovens europeus. Destes 26, quatro casos não revelam de forma óbvia os respectivos cursos. Quanto aos restantes, distribuem-se pelas seguintes áreas: Jornalismo (2), Ciência Política (2), Antropologia (1), Literatura e Filologia (4), Artes (2), Comunicação (3), Sociologia e Serviço Social (3), Direito (1), Matemática (1), Economia (1), Controlo de Qualidade (1) e Arquitectura (1).

 

O que é que justifica que em 26 contactos apenas 8% tenham estudado algo ligado às ciências "duras" (e aqui estou a fazer o favor de contabilizar o jovem que estudou economia, dado que optou pela vertente de econometria)? A minha explicação é bastante prosaica: para escrever o artigo, os jornalistas do «i» recorreram a redes de contactos informais - amigos que fizeram Erasmus nos países, estudantes em programas de intercâmbio, familiares, etc. Ao procurarem informações, fizeram o que todos nós fazemos: olharam para o lado. E nas suas ligações mais próximas havia, compreensivelmente, mais jornalistas, sociólogos e artistas do que engenheiros, matemáticos e físicos.

 

Este caso revela bem como o meio ambiente local em que uma pessoa está inserida condiciona de forma extraordinária a imagem que ela tem, e transmite, da realidade. E não há aqui nenhuma desonestidade ou engodo: os jornalistas estão apenas a reflectir uma imagem tão fiel quanto possível do mundo que eles de facto observam. Só que este mundo é limitado, parcial e pouco representativo do mundo real. Mas se o grupo de contactos dos jornalistas não for representativo da população em geral - por exemplo, ao nível, sei lá, do acesso a bons empregos -, a imagem que o público em geral terá do estado do mercado laboral estará altamente enviesada.

 

Não sei se isto explica completamente a razão pela qual a ideia da "Geração Deolinda" entrou tão rapidamente nas televisões, nas rádios e nos jornais. Mas desconfio que explica muita coisa.

14 comentários

Comentar post