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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

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Vamos lá a ver se nos entendemos

Priscila Rêgo, 27.04.11

Estava há algum tempo para escrever sobre isto, mas este texto do New York Times é um óptimo pretexto para não adiar mais a coisa. Afinal, quem ganhou com o euro? Segundo o NYT, foi a Alemanha. Em baixo cito os dois primeiros parágrafos.

 

The euro has been very, very good for Germany. Other members of the zone have not fared as well. Since the introduction of the euro at the beginning of 1999, the European Central Bank calculates that Germany has gained competitiveness, not only against other major industrial nations but against all other members of the euro zone.

 

Ok, ganhou competitividade. Mas o significa isso? Será que ficou mais rica? Será que cresceu mais?

 

Felizmente, o BCE é bem menos ambíguo do que o NYT: a competitividade é apenas uma medida da variação dos Custos Unitários do trabalho (CUT). Que são, por sua vez, o custo com salários em que uma empresa incorre para levar a cabo a sua produção. Se o rácio salários/produtividade cresce mais no país A do que no país B, então esse país ficou menos competitivo.

 

Em princípio, maior competitividade está associada a mais emprego. Empresas com menos custos conseguem colocar produtos nos mercados a preços mais baixos e assim manter-se em actividade; empresas com custos mais altos têm mais dificuldade em manter-se à tona da água, têm de fechar e consequentemente atirar os seus empregados para o desemprego.

 

Mas isto não nos diz nada acerca da verdadeira riqueza do país. Na verdade, até induz a conclusões perversas, na medida em que coloca à frente do "ranking" a economia que conseguir limitar mais a parte do crescimento económico que vai para os trabalhadores. É curioso que seja a Esquerda, que tanto defende que o crescimento só é louvável quando melhora as condições dos operários, que mais recorra a este tipo de indicadores para dizer que foi a Alemanha quem mais beneficiou do euro.

 

Há alguma alternativa? Bom... há. A mais simples é a verdadeira medida da riqueza por pessoa: o PIB per capita. É aquele tipo de coisa que nunca se costuma ver na imprensa dos países da periferia. Nunca percebi bem porquê.

 

  

5 comentários

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    Luís Lavoura 29.04.2011

    "manter os CUT [custos unitários do trabalho] controlados pode ser uma forma de manter o desemprego baixo numa economia que não consegue criar postos de trabalho"

    Se assim fôr, então percebe-se por que motivo a Esquerda elogia o aumento da competitividade... Esse aumento corresponderia na prática a um mecanismo redistribuidor, mediante o qual o pouco trabalho existente seria distribuído por mais trabalhadores, cada um deles com um salário relativamente reduzido...
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    PR 29.04.2011

    Mas a Esquerda também critica o facto de a Alemanha ter contido os salários na última década, dizendo que isso não pode ser considerado desenvolvimento.

    Ou seja, por um lado diz que a Alemanha teve sucesso [ > competitividade], e por outro diz que este é um modelo fracassado. São posições incoerentes.
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    Miguel Madeira 30.04.2011

    Há pelo menos duas (ou talvez três) maneiras de as posições não serem incoerentes:

    a) é possivel achar que baixos salários aumentam a competitividade de um país face aos outros países, mas reduzem a procura global; ou seja, baixos salários na Alemanha são bons para a Alemanha, mas baixos salários na Europa são maus para a Europa. Os "ladrões de bicicletas" costuma defender uma posição muito parecida com essa a respeito de empresas - que para cada empresas é bom pagar baixos salários, mas que altos salários são bons para o conjunto das empresas; não é muito transpor esse raciocínio de empresas para países

    b) outro argumento é que, quando se contesta a politica de contenção salarial está-se a falar da evolução dos salários reais e quando se fala da competitividade está-se a falar da evolução dos salários nominais, logo são assuntos diferentes

    c) Pode-se construir um argumento do género "a contenção salarial alemã cria uma baixa procura interna e um excedente comercial; em circunstâncias normais isso provocaria uma valorização do marco alemão, reduzindo também a procura externa e mergulhando a economia alemã numa crise de super-produção; mas o euro impede esse mecanismo, permitindo à Alemanha escoar os seus excedentes comerciais para a periferia e assim «exportar» também as contradições do seu modelo económico"

    Mas não sei bem se o argumento c) é mesmo um terceiro argumento ou se é apenas o a) explicado com mais detalhes técnicos.
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    Miguel Madeira 30.04.2011

    Onde se lê "não é muito transpor esse raciocínio de empresas para países" deve ler-se "não é muito díficil transpor esse raciocínio de empresas para países"
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