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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

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E agora com mais calma

Priscila Rêgo, 05.05.11

Há uma coisa que salta à vista no plano delineado pela Troika: o grau de detalhe do programa de ajustamento. É impressionante o nível de pormenorização de algumas das medidas, sobretudo na área da Saúde e da Justiça. Em duas ou três semanas, os técnicos da Comissão, BCE e FMI gizaram um plano que cobre de envergonha os três (ou quatro?) Programas de Estabilidade e Crescimento que o Governo foi apresentando às pinguinhas ao longo do último ano.  

 

O meu palpite é que o programa foi feito em grande parte com recurso a inputs de economistas nacionais. Olhando para as medidas no campo do SNS, Mercado de Trabalho e concorrência, é razoavelmente fácil imaginar os nomes das pessoas que terão contribuído e estado por detrás de algumas delas. Aliás, penso que não é por acaso que as propostas no campo da educação estão praticamente ausentes: tanto quanto sei, a investigação nesta área é, em Portugal, quase inexistente. Como não havia conhecimento "pronto-a-vestir", e a própria Troika não tem expertise nesta área, terá optado por não mexer.  

 

Este plano não tem show-off. Não há cortes salariais na função pública, reduções brutais do investimento público ou rubricas "sensação". É um péssimo programa para a comunicação social, porque não tem um porta-estandarte que sustente uma manchete ou atire o povo para a rua. Pelo contrário, é um conjunto de cortes cirúrgicos, feitos à medida do possível. Como um plano de poupança familiar: gastar menos aqui, poupar acolá, amealhar ali. Parece pouco; mas, tudo somado, no final faz a diferença.

 

Outra virtude é colocar no terreno tudo aquilo que sabíamos que era necessário mas não tínhamos coragem de fazer. Poder-se-ia ter ido mais longe do domínio das leis laborais? Talvez. Mas os passos que foram dados vão no sentido correcto. O que, tendo em conta o passado recente, já é muito. Algumas mudanças atacam os sintomas em vez das doenças? Talvez, mas o óptimo é inimigo do bom. E o nosso termo de comparação é o PEC do Governo. Não é difícil ficar bem na fotografia, mesmo que apenas pelo efeito de contraste.

 

Muito disto não é novo. Sabemos desde há muito que algo se passava na saúde, que o subsídio de desemprego é demasiado generoso, que há falta de concorrência na energia, telecomunicações e transportes, que as empresas públicas vivem numa orgia despesista e que o programa de energias renováveis é um sorvedouro de dinheiro. O FMI não veio abrir-nos os olhos. Apenas obrigar a agir em conformidade.

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