Ciganada
De volta ao campo, que a vida na civilização cansa, e em harmonia com a ferrovia, que é uma garota bem jeitosa, mas um pedacinho desamparada, que os calmeirões só gostam de engatar o alcatrão, manias, tenho a dizer que não, não somos todos ciganos, mas que, sim, quando um inocente está preso só os cobardes podem andar nas ruas.
A deportação massiva de ciganos – perdoe-se-me não usar aquela palavra da moda, toda muito pimpona, mas cresci a ouvir ciganos (por vezes com sufixos e prefixos, digamos, pouco líricos) – por parte do governo francês dá vontade de ir mijar (ou pior) na campa do senhor Jefferson, para quem a França era a segunda pátria de todos nós, logo a seguir àquela que o destino nos reservou para natal. Acredito que uma medida semelhante, se aplicada por estas bandas, que isto é mais francês que o catano, apesar de lhes termos chutado o rabo há uns anitos, seria recebida com uma aceitação ainda maior que a pornográfica aceitação francesa. Apesar de sermos um país de tristes emigrantes que foram para trolhas com uma mão à frente e outra atrás, somos donos de uma especial arrogância nestas matérias. São os pretos de merda, os cabrões dos chineses, os filhos-da-puta dos indianos e, enfim, porque é deles que falamos agora, os ciganos do caralho.
De qualquer modo, abstraindo-nos nós do triste facto de haver muita matéria desperdiçada em humanos desnecessários – ai o misantropo, como ele anda!... –, a verdade é que só um Estado falhado pode permitir, até do ponto de vista constitucional, uma limpeza étnica como a que vemos hoje. É inconcebível que a França que inventou os Direitos Humanos e ajudou a dar à luz a União Europeia seja a mesma França que, tantos anos depois, suja as mãos, enviando cidadãos inocentes, muitos deles crianças, idosos, famílias inteiras, em aviõezinhos para a Roménia e a Bulgária com chequezinhos de valor variável – trezentos euritos para os adultos, cem euritos para a piquinada. Sente-se no ar o cheirinho dos velhos livros de História. Deixemos que esta gente brinque com coisas sérias, que acabaremos a chorar o desleixo.