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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

Condições

Priscila Rêgo, 30.09.10

O PSD diz que só aprova o Orçamento se a execução orçamental de 2010 der mostras de correr bem. É uma péssima ideia. Não é fácil perceber, através dos boletins opacos da Direcção-Geral do Orçamento, o verdadeiro estado das contas públicas. Além disso, o que aconteceu em 2010 não é da responsabilidade do PSD. Há pouco a fazer em relação a isso. Mas há muito por fazer em relação a 2011.

 

Por isso, proponho que o PSD apresente três condições simples para negociar um Orçamento com o Governo. O João Miranda é demasiado exigente. Pela minha parte, sugiro o seguinte: a) não haverá aumento de impostos; b) os mapas de despesa de todos os Ministérios terão inscrito um volume de gastos que será inferior em 5.100 milhões de euros ao registado em 2010, o que chega para reduzir o défice; c) o limite de endividamento líquido do Estado não permitirá um défice superior a 4,6% do PIB.

 

E é só isto. Quanto às rubricas a cortar e despesas a fazer, o Governo que se entenda.

 

 

Maiêutica

Rui Passos Rocha, 30.09.10

Isto é possível, mas falta-lhe qualquer coisinha: o PSD andou a fazer sinais de luzes para a necessidade de mudanças na Constituição e, quando obteve a atenção pretendida, não só se explicou mal como, ao dar a bandeira do Estado Social ao PS, foi obrigado a fazer marcha-atrás e a retratar-se. Tendo em conta que em 1984, apenas dois anos depois de uma revisão constitucional, cerca de 65% dos inquiridos numa sondagem não sabiam dizer quais as principais mudanças inscritas na Constituição (e esse era ainda um tempo de maior mobilização política), imagino que não seja agora particularmente complicado para o PS encostar o PSD às cordas do radicalismo e vencer eleições em nome de uma estabilidade ameaçada pelos revolucionários coelhistas. Para já parece simples: sem a abstenção do PSD, o PS vai assobiar para que o FMI traga o cacetete.

Treta da grossa

Priscila Rêgo, 30.09.10

O “pacote de austeridade” do Governo é um excelente pacote. Não para o cidadão comum, que pouco vai beneficiar dele, mas para o próprio Governo, que com um tiro só mata dois coelhos de rajada. E o disparo tem ainda a vantagem de atirar muito fumo para a cara do eleitor. Já vi isto noutras alturas: treta, treta, treta. Mas vamos por partes.

 

O Governo tinha dois problemas orçamentais. O primeiro era a execução orçamental de 2010, que estava a correr manifestamente mal. O segundo era a sobrestimação do impacto de algumas das medidas apresentadas por altura do PEC 2. Nomeadamente, o seu efeito em 2011. Havia, portanto, dois objectivos: safar as contas de 2010 e preparar caminho para aumentar os impostos em 2011.

 

As medidas que o Governo quer enfiar a toda a força no Orçamento do Estado cumprem as suas funções na perfeição. Em primeiro lugar, enchem as manchetes dos jornais com a palavra “austeridade”. Na verdade, a palavra correcta seria “aldrabice”. O Governo vai controlar o défice de 2010 com um artifício contabilístico ignóbil, que devia fazer corar de vergonha o ministro das Finanças. Mas o ruído está criado: hoje, todos falam do impacto de cada medida de austeridade no bolso do pensionista, do funcionário público ou do contribuinte. O "caso PT" morreu, até que seja ressuscitado pelo Eurostat.

 

A apresentação de medidas de corte de despesa num pacote de aumento de impostos ajudam a ganhar margem negocial junto do PSD. O PSD já não pode negar um Orçamento: as medidas estão lá, e a consolidação orçamental será feita pelo lado da despesa, tal como era pedido. O Governo queria impostos: vai tê-los. Embrulhados num pacote muito bem tricotado, que o PSD tem agora menos margem para rejeitar.

 

Claro que um observador atento notará que as medidas de controlo orçamental são para inglês ver. A medida mais emblemática é o corte de salários da função pública. Qual é o impacto? Não conheço a estrutura salarial com suficiente desagregação, mas seria incrível que conseguissem reduzir a massa salarial em 5% cortando apenas os vencimentos de quem ganha mais de 1.500 euros. Soa-me a treta da grande, na linha daquilo que já aconteceu no ano passado. Depois, há medidas avulsas como a redução das transferências para as autarquias, menos prestações sociais, menos dinheiro para as empresas públicas, etc. Medidas que, aqui e acolá, já estavam presentes… no PEC 2. O Governo não fornece informação detalhada em relação às medidas, mas não é difícil perceber que serão, em muitos casos, uma mera recapitulação daquilo que já foi anunciado há quatro meses.

 

O mais curioso é que as medidas do lado da despesa não exigem passar pelo crivo do Parlamento. Leram bem isto: nada daquilo que o Governo se propõe a fazer no que diz respeito aos gastos do Estado obriga a nova lei. O PEC 3 é um pedido manhoso: aprovem a subida de impostos para que nos comprometamos a fazer exactamente aquilo que nos comprometemos a fazer em Maio. E, de permeio, esqueçam a PT. Aliás, aposto mesmo que a proposta de Orçamento do Estado não traduzirá as medidas de contenção de gastos em tectos de despesa nos mapas anexos. Business as usual, portanto.

 

E caimos todos que nem parvos.

 

Fora da caixa

Rui Passos Rocha, 29.09.10

Como diria um conhecido, pouco há com mais valor do que pensar fora da caixa. É por isso que, no espírito altruístico que todos me reconhecem, aqui venho saudar a nobreza das afirmações de um trabalhador sindicalizado - naturalmente não nomeado pelo Público, ou não poderia o pobre homem com tanta futura proposta de emprego em think-tanks - que, contra as expectativas até das mais recônditas mentes, disse opor-se à abertura dos hipermercados aos domingos e feriados porque vai «causar prejuízos à economia» e «gerar desempregos».

Que vão, que vão

Tiago Moreira Ramalho, 26.09.10

O governo que se chora pelos cantos do rectângulo luso, apelando ao entendimento, diálogo e ao popularucho «deixem-nos trabalhar», tudo pela estabilidade e assim, é o mesmo governo que, semana sim semana não, promete mandar a aliança pelo esgoto e bater com a porta. Como é que é possível que um país inteiro, numa situação como a actual, tolere que o governo eleito ameace demitir-se repetida e despudoradamente? E os mercados, já não interessam? E as agências de rating, os FMI e restantes Adamastores dos tempos modernos, não querem saber? A coisa é muito simples: se querem ir, pois que vão, agora não empatem, que já não há paciência.

Canonizem-na

Rui Passos Rocha, 25.09.10

José Manuel Fernandes está preocupado com a apatia política dos portugueses. Uma apatia que, permitam-me o arrojo, é menina para engordar nos próximos tempos à conta da negociação-birra do Orçamento entre PS e PSD (leia-se Partido Social-democrata e Partido Conservador, respectivamente). Percebo e partilho a preocupação do ex-director do Público. Manuela Ferreira Leite, cuja frontalidade incensou antes da ascensão do ex-jotinha, foi quem mais fez nos últimos anos pela redução da apatia. Foi genial: lançou a piadola da suspensão da democracia durante uns seis mesitos que serviria para laboriosamente esvaziar o pântano e lá plantar umas buganvílias. Foi, como vimos, tiro (no pé) e queda - nas sondagens, claro. Não bastando o fantasma de Comba Dão, pouco depois a senhora espirituosa decidiu regar o viçoso jardim da democracia madeirense, provocando novamente o choque de meio país. Por nós, povo necessitado de mártires, deu o corpo à expiação. Poucos foram tão altruístas quanto ela, que por uns meses nos retirou do coma da apatia, polarizando a política. Agora, com os holofotes financeiros sobre o país, tanto rosas como laranjas, ocupados que estão a lutar pelo Kinder Surpresa, parecem interessados não apenas no retorno da apatia mas, ó figuras de Estado, em instigar sentimentos e comportamentos anti-políticos.

A feirinha

Tiago Moreira Ramalho, 25.09.10

Ontem, de mochilinha às costas, porque há gente de bem que, dos vários pontos de vista possíveis, trabalha, e muito, fui passear, digamos que à hora certa, para o Bairro Alto. E tal, pessoas, olá, olá, tudo bem, como estás, o cabelo podia estar melhor, pobrezinha da criança, caralho para a complacência, e dei por mim a pensar no extraordinário fenómeno social, sim, porque eu sou um gajo todo virado para os fenómenos sociais, nomeadamente aqueles que são extraordinários, que se gerou em toda aquela zona. É impressionante como sem decreto ou imposição a própria ordem espontânea gerou uma segregação comercialóide absurdamente precisa. Il y a as ruas de metaleiros, de punks, de gays, de mais ou menos gays, de velhos, de miúdos, de Erasmus, de putas, de tudo. Nunca havendo misturas. É como uma feirinha de humanidade em que a pessoa de bem, alheada das várias formas de expressão da espécie, se pode informar com maior fiabilidade que na wikipédia, sobre as várias formas de ser humano. Nós, que somos essencialmente gente calorosa e tolerante, apesar de um pouco distante e avessa à diversidade, gostamos bastante.

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