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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

Mónica

Tiago Moreira Ramalho, 30.10.10

Só por causa das merdas, um dia destes compro os livros da Mónica Marques, leio-os e depois falo deles. Mas assim à bruta. Coisa para três, quatro linhas do blogue. Até lá, deixo-me estar quieto a falar sobre outras coisas e assim.

Cavaquices [2]

Tiago Moreira Ramalho, 30.10.10

Não será por acaso que duas pessoas tão diferentes e com coeficientes de inteligência tão díspares concordam na proposição elementar de que Cavaco Silva é, na realidade, uma nódoa. Daquelas de gordura, que toda a gente nota e dificílimas de sair. Em cinco anos, cooperou estrategicamente, depois deixou de cooperar estrategicamente, pelo meio inventou umas escutas, fez uns comunicados, teve muitas vezes razão, outras tantas não teve nenhuma. Um verdadeiro bolo-rei político. No entanto, deparado com a inevitabilidade da urna, este vosso servo olha-se e pensa, com a mão na testa enrugada, em qual é a alternativa. E aqui é que começamos a dançar um verdadeiro folclore de angústia e tristeza. Uma das alternativas olha-se como um herói épico, apesar de nunca ter sido herói de ninguém, é admirado pelas ideias, que no geral desconhecemos, que daquela boca só saem odes à «esquerda», à «solidariedade» e coisas que tais, abstracções próprias de gente básica. Se é certo que Cavaco não é propriamente um poço de intelectualidade, no bardo nem um módico de pragmatismo encontramos. Além da hipocrisia tremenda de que é senhor, colocando-se me frente aos canhões umas vezes e atrás deles outras, enquanto assume uma pose de incorruptível. Um asco, o senhor. A outra alternativa, se é que é uma alternativa, começa logo por ter simpatias monárquicas, o que não é nada, mas nada estranho num candidato a Presidente da República. Diz que é muito bom cidadão. Todos concordamos. Trabalho de cidadania extraordinário. Não chega. Ser um bom cidadão não é sinónimo de ser um bom estadista, nem tão pouco é disso potenciador. Todos reconhecemos o trabalho de Fernando Nobre, mas, de facto, o cargo de Presidente da República não é bem uma comenda – disso já se dá ao metro. Além de que temos o bom velho problema de não saber de nada do que pensa, até porque já foi senhor de se passear por todas as cores do arco-íris político português. É triste, caro leitor-eleitor, mas dos três nenhum presta e votar num é engolir um sapo para que não se engula um elefante. Aqui nesta cadeira em que estou sentado, continua a pensar-se no simples branco ou em fazer um qualquer comunicado à nação no boletinzinho.

 

Adenda: O João Gonçalves publicou no seu facebook um comentário a este texto. Como gostamos de manter um certo círculo blogosférico independente dos facebookismos da moda, transcrevemos, até porque está uma maravilha, o comentário: «O post em anexo, que começa por classificar de "nódoa" o Presidente da República, sugerindo o voto em branco ou um post equivalente estilo "conversa apanhada no talho" a colocar no boletim de voto, é uma garotice irresponsável de efeito fácil que poderia perfeitamente ilustrar um episódio especial dos Morangos com Açúcar dedicado aos melhores alunos do "liceu". E ainda há quem gostasse que começassem a ser imputáveis aos 16 anos...» No essencial, diz tudo, mas não sobre mim ou sobre o meu texto.

Cavaquices

Tiago Moreira Ramalho, 30.10.10

«Cavaco, que mandou uma eternidade neste pobre país, resolveu por razões obscuras mudar da "magistratura de influência" para uma nova espécie de magistratura que ele chama "activa". Claro que em nome da sua dignidade e da dignidade do Estado não revelou o que entendia por "activa". Até porque a Constituição lhe atribui um papel essencialmente decorativo e Cavaco, coitado, não é De Gaulle. É só uma pequena parte da farsa política portuguesa.»

 

Vasco Pulido Valente, Público

 

 

«Ele [Cavaco], que é a política portuguesa em tudo que ela tem de pequeno: os amigos nos negócios, os truques palacianos, o Estado perdulário. Ele, que tão mal se dá com o que na política vale a pena: o confronto de ideias, a coragem de correr riscos, a ética republicana. Apresenta-se como o último garante moral da Nação mas é talvez o maior símbolo de tantos anos perdidos. Os mais importantes da minha geração.»

 

Daniel Oliveira, Expresso

Lamúria e acção

Tiago Moreira Ramalho, 28.10.10

No outro dia, sem espírito para leituras longas e desatentas, fui à estante e peguei numa colecção de crónicas de António Barreto. A última de todas, creio – Anos Difíceis. António Barreto escreve sempre bem, em todos os sentidos, o que permite um elevado grau de certeza quanto à bondade da aposta. No caso, indo ao índice, onde não me consigo guiar, que os títulos são cada vez menos bons, que os editores acham sempre que percebem do que não percebem, acabei a ler as considerações de Barreto sobre a mentira na política. Poderíamos esperar a banalidade. Ai, os políticos, malandros, mentirosos, dizem isto, depois dizem aquilo, ai. Não. Era um texto sólido que, mais do que criticar os políticos, criticava uma sociedade, a nossa, que lhes permite tais luxos. Criticava uma democracia cujo Parlamento é uma inutilidade dispendiosa, em que liberdade de imprensa não é usada para escrutinar a acção do governo, em que o eleitorado nunca usa o voto para punir maus comportamentos. O ponto é precisamente este. A ocasião cria o ladrão e por muito que o povo, o eterno descontente, esbraceje, a verdade é que se houvesse consciência do que significa ter o poder na sua mão, a lamúria daria lugar a acção.

Ir à televisão

Bruno Vieira Amaral, 27.10.10

Birtukan Mideksa, estás cá dentro

Rui Passos Rocha, 23.10.10

Dois dias de visita ao Portugal profundo depois, sinto-me preparado para vascocampilhamente dar a mão ao país e fazer-me útil na governação de um povo baptistabastosmente carenciado de faróis. É na qualidade de investigador entre aspas apelidado de doutor (mesmo não o sendo) por toda a vivalma serrana do vale do Zêzere por quem me cruzei - e portanto uns degraus acima no magnificente escadote que empolou os líderes das duas maiores agremiações políticas deste canto da península, também eles com manhosas qualificações - que vos anuncio, futuros correligionários de um partido por criar (e que democraticamente liderarei por tempo indeterminado e até me cansar da vossa inelutável incompreensão): em matéria de política externa o Partido Melhor Português embeberia o seu essencial dos programas do BE e do PCP, nos quais está, como sabemos, claramente ultrapassado o facciosismo próprio de partidos burgueses e reaccionários, logo de direita. Vem isto a propósito do prémio Sakharov para Fariñas, o senhor greve de fome cubano, e das críticas dos dois partidos, ora porque o mundo seria melhor servido por um apoio à resistência heróica do povo palestiniano, que mais de setenta anos depois continua a responder com rosas, bandeiras brancas e pombos à bárbara e cobarde agressão israelita; ora porque havia "propostas muito mais urgentes" como a de Birtukan Mideksa, nome com que me deparo pela primeira vez na vida e líder da oposição na Etiópia, regime cuja democratização seria, está bom de ver, bem mais simbólica do que a de Cuba para aquela coisa a que chamam comunidade internacional.

Inversões e assim

Tiago Moreira Ramalho, 23.10.10

Quem vos escreve percebe tanto da Constituição e das engrenagens institucionais da esterqueira como a sua tartaruga de estimação, mas quer parecer-lhe quem em toda a questão do Orçamento de Estado há um equívoco um tanto ou quanto escusado relativamente a quem deve agradar a quem.

Segundo julgo saber, quem tem de gostar do Orçamento de Estado é o Parlamento, um casebre que alberga os representantes eleitos do povo e assim. Ora, nestes dias cinzentos, o senhor primeiro-ministro está esquecido do detalhe e parece pensar que é o Parlamento, ou seja, o casebre que alberga os representantes eleitos do povo e assim, que tem de se vergar perante ele. Não, não tem. Se o senhor primeiro-ministro não apresenta uma proposta de Orçamento de Estado que agrada ao povo representado, então tem duas hipóteses: mudar ou sair. Houvesse políticos na Política e nenhuma outra alternativa seria possível.

O pão e o peixe

Tiago Moreira Ramalho, 23.10.10

A compra rotineira do pão alentejano na mercearia do bairro, um bairro melancólico, também, alcoólico, o que não tem mal, mas sem livraria, o que prejudica o ecossistema, pode constituir, ou melhor, frequentemente constitui uma aventura digna de epopeia, houvesse engenho e arte. Desejoso de dar o meu euro e vinte pelo transformado de água, sal e farinha, enquanto ouvia uma mulher que, com quarenta anos, dizia que tinha de aproveitar tudo agora, que outros quarenta não arranjava – o pessimismo reina no bairro –, levo um encontrão de um senhor de boné – sim, os homens do bairro apreciam a utilização de pequenos chapéus do Correio da Manhã ou da BP na cabeça –, que, com um saquinho na mão vem pedir um favorzinho à senhora da mercearia. Que lhe pesasse o peixe. Pesava seiscentos gramas, facto de que ele já desconfiava. Tinha a certeza aliás, assim que o pegou lá no hipermercado – sim, na mercearia só se pesa peixe, que comprar ‘tá quieto –, mas depois apareciam setecentos gramas na etiquetazinha. Bandidagem, é preciso é ter cuidado com aqueles bichos e assim. Claro que tudo isto decorria enquanto eu, com as minhas moedinhas na mão, observava o boné, e o sujeito que o carregava, a dar pulos de excitação com a história, elevando o tom rouco, preparando um motim contra a máquina capitalista que é «o dedinho» do funcionário da peixaria do hipermercado. A senhora da mercearia, piedosa, sabendo para que é que eu ali estava, traz-me o pãozinho, dá-me dois beijinhos, que há muito que não me via (pudera…) e permite-me uma saída airosa e discreta para o conforto do lar. É disto que se faz um bairro: uma cougar, um velho louco por peixe, uma merceeira piedosa, um jovem esfomeado e mato, muito mato que ainda nenhuma livraria ocupou.

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