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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

Spoon River Anthology

Rui Passos Rocha, 29.06.11

 

[...] Dov'è Jones il suonatore / che fu sorpreso dai suoi novant'anni / e con la vita avrebbe ancora giocato. / Lui che offrì la faccia al vento / la gola al vino e mai un pensiero / non al denaro, non all'amore né al cielo. / Lui sì sembra di sentirlo / cianciare ancora delle porcate / mangiate in strada nelle ore sbagliate / sembra di sentirlo ancora / dire al mercante di liquore / "Tu che lo vendi cosa ti compri di migliore?"

Problemas reais

Priscila Rêgo, 29.06.11

No Ladrões de Bicicletas, João Rodrigues pergunta quais são os problemas reais do país. Segundo o Banco de Portugal (sem link, porque ele não cita e eu não consegui confirmar), não são as leis laborais, os custos com o trabalho ou os impostos. São sobretudo a falta de procura e as restrições ao nível do crédito. Não há que enganar, porque são os próprios empresários que o dizem. Certo?

 

Bom, não. Se alguém perguntar por que é que a minha avó demora tanto tempo a chegar a casa, a maior parte das respostas girará em torno da sua provecta idade, da sua condição física ou do calçado pouco apropriado. Mas se a mesma pergunta for feita a um pardal, ele apontará para algo muito mais óbvio: faltam-lhe asas e uma quilha mais robusta.

 

Ambas as respostas estão correctas, no sentido em que identificam características ou circunstâncias que, se alteradas, conduziriam a uma melhoria na performance atlética da minha avó. São contra-factuais simples. Mas o tipo de respostas fornecido depende em grande medida das experiências de cada pessoa e daquilo que ela(s) identifica(m) como alternativas exequíveis à presente situação.

 

Para os empresários portugueses, ter leis laborais mais flexíveis e uma justiça célere é como ter asas: nem sequer vem à cabeça quando se pensa em mudar as coisas. Estes problemas estão tão arreigados na economia portuguesa que deixaram de ser considerados como agentes patogénicos a expulsar. Já são parte da mobília, como aquele móvel pesado, grosso e carunchoso que a madrinha idosa pediu para guardarmos. É chato, mas não há nada a fazer.

 

Isto revela-se na forma como o próprio INE coloca as perguntas. Nos questionários feitos às empresas (de resposta fechada, por cruzinha), os obstáculos à produção podem ser o crédito bancário, dificuldades de tesouraria, falta de pessoal qualificado e falta de procura. Morosidade da justiça, falta de flexibilidade laboral, má regulação e por aí fora nem sequer constam do menu. Até o INE já se resignou.

 

Mas isto é só em Portugal. Quando se alarga o leque de respostas, lá aparecem a burocracia, as restrições do mercado de trabalho, a instabilidade política e os impostos como principais preocupações dos empresários. É preciso ver as coisas de fora para se ter uma perspectiva mais alargada.

 

Indecências

Tiago Moreira Ramalho, 27.06.11

Será, com certeza, um mal meu, mas a corrente que por aí circula indagando a comunidade blogosferante sobre livros e leituras não me agrada. Perguntar, muitas vezes a pessoas que nunca tivemos sequer a decência de conhecer pessoalmente, sobre os livros que se leu, os livros que se leria, os finais que não se esqueceu e coisas de natureza similar é o mesmo que perguntar sobre conquistas amorosas ou contas bancárias. Da mesma forma que o sedutor que acumula conquistas gosta de deixar no seu rasto uma reputação de grande amante, sem, no entanto, falar explicitamente de quem amou ou de quem deixou que o amasse, o leitor compulsivo gosta que essa aura o rodeie, sem, no entanto, se submeter aos inquéritos invasivos e, além disso, públicos sobre as suas ‘conquistas’. Perguntar a um amante de literatura qual o livro que nunca leu é como perguntar ao Casanova pela mulher que nunca lhe permitiu safadeza; perguntar a um rato de biblioteca qual o livro que leria para o resto da vida é como perguntar ao Camarinha pelo tamanho da pila. Haja decoro.

A tarefa impossível dos superministérios

Priscila Rêgo, 26.06.11

A ideia de fundir várias pastas em dois superministérios é um erro grosseiro da equipa de Passos Coelho. Veja-se o exemplo da Economia. Até aqui, o Ministério da Economia tinha, por si só, a incumbência de gerir as linhas de crédito às PME, decidir que microempresas devem receber ou deixar de receber subsídios, coordenar a aposta nas energias renováveis, orientar os recursos nacionais para o cluster do mar, safar postos de trabalho, fazer "diplomacia económica" com a Venezuela e Angola, gerir os apoios à moratória no pagamento do empréstimo bancário para particulares, assegurar as condições de competitividade da economia portuguesa, tratar dos fundos do QREN e uma mão cheia de outras funções absolutamente essenciais a uma economia de mercado. O superministro Álvaro Santos Pereira não vai conseguir fazer tudo isto e ainda ser o ministro das Obras Públicas, Transportes e Telecomunicações. Vai ter de deixar coisas essenciais de lado. Isto é inaceitável.

Demagogia e populismo

Priscila Rêgo, 25.06.11

Passos não poupou dinheiro porque o Governo já não paga os bilhetes na TAP.  Outras coisas que fazem sentido à luz da lógica económica subjacente a este artigo:

 

a) O Belmiro não precisa de pagar as compras que faz no Continente, porque cada euro que gasta é um euro que ganha.

b) Não faz mal nenhum o Joaquim comer as bebidas que expõe no balcão do seu café. Os produtos já são seus, não lhe custam mais por isso.

c) É normal que o grupo SONAE compre activamente o jornal Público durante a semana, porque a sua despesa é a receita do jornal.

 

E quem achar que isto é parvo está a ser populista e demagogo.

Camus

Tiago Moreira Ramalho, 25.06.11

 

«Mais il m'a coupé et m'a exhorté une dernière fois, dressé de toute sa hauteur, en me demandant si je croyais en Dieu. J'ai répondu que non. Il s'est assis avec indignation. Il m'a dit que c'était impossible, que tous les hommes croyaient en Dieu, même ceux qui détournaient de son visage. C'était là sa conviction et, s'il devait jamais en douter, sa vie n'aurait plus de sens. 'Voulez-vous, s'est-il exclamé, que ma vie n'ait pas de sens?' À mon avis, cela ne me regardait pas et je lui ai dit». (L'Étranger)

O vencedor

Rui Passos Rocha, 20.06.11

Pessoas que se dizem contra a disciplina partidária nas votações mostram-se agora contentes por Fernando Nobre ter sido derrotado. Em condições normais, se os deputados não pensassem com o cérebro dos seus líderes, Nobre teria sido eleito com votos socialistas (de PS, PCP e BE) mais do que liberais-conservadores. Em condições anormais, como se viu, os autómatos do PSD lá escarraram a cruzinha a custo e toda a assembleia demonstrou o acerto das críticas de Nobre à classe política.

Sábado no mundo

Bruno Vieira Amaral, 20.06.11

No sábado, Lisboa conheceu uma agitação incomum. Milhares de pessoas entregaram-se aos prazeres hortícolas em pleno centro da cidade e, depois de descobertos os segredos da alface, da couve e da beterraba, aplaudiram o fenómeno Carreira. A RTP1, televisão de serviço público, mostrou grandes planos de lágrimas e suspiros a cada gemido microfónico do Tony. O multiplatinado cantor, acompanhado de uma assinalável trupe, cantou as desventuras, os amores falhados, as desilusões, os encornanços, mas tudo acabou bem, porque o povo quer é música. Da parte da manhã, cerimónia mais sóbria e solene, no mais prosaico Campo das Cebolas, com trezentos populares a assistir ao enterramento das cinzas nobelizadas debaixo de uma oliveira transplantada da província e com a sagrada terra vinda da ilha de Lanzarote. Pareceu-me beatificação secular, assim para o pagão, com oliveira telúrica, grega, e livro a acompanhar as cinzas, vá-se lá perceber a superstição literária. Podemos sair da religião, mas não há maneira de a religião sair de nós.

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