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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

Mixed feelings

Priscila Rêgo, 29.09.11

Não gostei da estória dos prémios de melhor aluno cancelados à última da hora. Comunicar a coisa assim, com um anúncio na net, não se faz. Ainda para mais dois dias depois de os alunos terem sido formalmente chamados para receber o prémio. E com o requinte de maldade em cima do bolo: não recebem o prémio, mas podem decidir a quem dá-lo.

 

Por outro lado, também fiquei a pensar naquilo que o prémio é. Cerca de 500 euros dados aos melhores alunos do ano anterior, concedidos à laia de prémio de esforço. Pelo que sabemos da ligação entre resultados escolares e background familiar, são 500€ que param no bolso de meninos de boas famílias, e a quem certamente não falta quem os incentive a estudar. No fundo, mais uma medidinha - pequenina, irresistível, provavelmente ineficaz e certamente injusta.

 

Se não podemos cortar nisto, onde é que vamos cortar?

A verdadeira dívida alemã

Priscila Rêgo, 29.09.11

Eu ainda não tive tempo para perceber exactamente a polémica em torno da suposta "dívida escondida" da Alemanha. Mas se o problema é o que o Nuno Serra refere neste post, ainda bem que não o fiz.

 

Segundo o post (e uma notícia da Bloomberg), a "dívida escondida" refere-se a despesas previstas com reformados, doentes e outros dependentes da Segurança Social que não foram devidamente incluídas no cálculo da dívida pública. Mas a dívida pública não é o conjunto das responsabilidades que vamos ter no futuro: são as responsabilidades que, tendo sido contraídas no passado, transitam para o futuro e somam-se às responsabilidades que aí serão assumidas.

 

Um exemplo simples. Se eu ganhar 1000€/mês e gastar 1100€ por mês, gero um défice mensal de 100€ por mês. A minha dívida é o somatório de todos os défices que a diferença entre o meu consumo e o meu rendimento gerou. Esta dívida acumulada terá um dia de ser paga. E o consumo excessivo que tive no passado terá de ser pago com um consumo reduzido no futuro, à medida que uma parte cada vez maior do meu rendimento tiver de ser usada não para consumo mas para amortizar os empréstimos. É por isso que a dívida é importante. Não é um objectivo em si; mas representa uma restrição futura que convém monitorizar no presente.

 

Se contabilizarmos como dívida todas as responsabilidades que terão de ser assumidas no futuro, chegamos à conclusão que a minha dívida é, logo à nascença, gigantesca. Basta contabilizar todas as "despesas não assumidas" com a comida que vou comer, a habitação que vou usar e a roupa que vou vestir. No caso de um Estado, que tem uma vida potencialmente infinita, a dívida pública seria também potencialmente infinita. Uma verdadeira lógica da batata.

 

Como isto é demasiado absurdo (embora, pelos vistos, haja quem não desconfie...), é provável que a mensagem original tenha sido deturpada. Provavelmente, o cálculo refere-se a ajustamentos necessários no sistema de segurança social alemão. Por exemplo, calcula-se que, com as actuais regras de aposentação, e dada a tendência demográfica, a Alemanha chegará a um determinado período com um "gap" entre receitas e contribuições de X ou Y mil milhões de euros. Mas isto tem que ver com a segurança social, não com dívida pública. E se entrarmos por aí, não é seguramente a Alemanha que tem de mexer mais nas regras...

 

 

Assunção

Bruno Vieira Amaral, 29.09.11

Assunção Cristas é a personificação da beleza lusitana, confundida em alguns sectores radicais com fealdade ou, pelo menos, com uma certa rudeza de traços. Cristas é uma valquíria meridional, se as houvesse; uma amazona sem ablações. Não merece as responsabilidades ministeriais, que cansam e desfeiam, os projectos-lei, que esgotam a vitalidade, o ar condicionado dos gabinetes (agora não, que a Assunção quer proibi-lo), que embaça a pele e provoca pieira. Merece ser modelo da figura da República, eternizada em moedas (poucas) nas mãos dos portugueses e estátuas na Assembleia. Admiro-lhe a franqueza e a vivacidade do olhar, a sua arma primeira. Não tem sinais de debilidades urbanas. Apresenta, ao invés, uma solidez de formas, um vigor saloio, uma higiene mental que conforta o eleitorado em geral e os produtores de leite em particular. Fosse eu obrigado e também lhe atribuiria a pasta da agricultura, porque Cristas é mulher que evoca figos e nêsperas, pêssegos e meloas, saboreados nas tardes quentes dos verões alentejanos. Não é produto das faculdades, onde se discute de mais e se respira de menos, nem dos aparelhos partidários de onde brotam os santarrões que por aí se indignam, derramando cinzentismos, embriagados de sobriedade. É um produto da nossa terra, expressão de força vital de um povo que anda sempre derreado e macambúzio. Eu, se mandasse neste país, declarava-a património nacional.

Perspectivas

Priscila Rêgo, 29.09.11

No Jugular, Palmira Silva mostra-nos um gráfico com o peso do emprego público no total da população activa. O post chama-se "o monstro assim de relance".

 

 

Mas não precisamos de olhar só de relance. Ora vejam.

 

 

E agora podemos olhar apenas para os países que, segundo o Eurostat, têm um PIB per capita na mesma gama do português (entre os 55 e os 105% da média europeia - Portugal está nos 80%).

 

 

Tudo depende da perspectiva.

O que os mercados querem

Priscila Rêgo, 27.09.11

Toda a gente sabe o que os mercados querem. Um conhecimento que gerou várias prescrições durante o último ano e meio: controlo do défice, compromisso para controlar o défice, estabilidade política, reformas estruturais, medidas de estímulo ao crescimento, união política na Zona Euro, etc., etc. As certezas foram dadas por dezenas de economistas, analistas, comentadores e demais exegetas da vontade dos mercados. Nunca ninguém se lembrou do óbvio: por que não perguntar-lhe directamente?

 

A BBC pensou nisso e, numa entrevista, perguntou a um "trader" - uma minúscula parte daquilo a que tão abstractamente chamamos de "mercados" - o que é que seria necessário para restabelecer a confiança na Zona Euro. A resposta é desarmante: nada. Os mercados são conduzidos pelo medo e, neste momento, há o medo de que a Zona Euro colapse. Fundamentais? Se calhar nunca olhou para um défice orçamental na vida.

Não há melhor sítio por onde começar

Priscila Rêgo, 22.09.11

Meu caro,

 

Antes de mais, a dívida pública nacional não é de 278 mil milhões de euros. Isso será, quanto muito, a dívida externa bruta. A dívida das entidades públicas ronda os 160 mil milhões de euros. E a da Madeira não é de mil milhões. É seis, sete ou, eventualmente, oito vezes maior. É, é mais pequena. Mas de 0,3% para 5% da "culpa" (como se ela se medisse em rácios), ainda vai uma distância...

 

Por outro lado, essa é a mesmíssima situação das autarquias. Estão endividadas, mas o que são 6 mil milhões num bolo de 160 mil milhões? A educação é um sorvedouro, mas o que é uma despesa de 6,2 mil milhões num Estado que gasta mais 80 mil milhões por ano? E na saúde? Alguém pode dizer que 8,5 mil milhões (uns "10% da culpa...") não se justificam para salvar vidas (acerca disto, vejam este post genial)? Lamento, mas a "culpa" do nosso Estado gordo é feita de "culpazinhas" que têm nome.  

 

Durante décadas, Jardim gastou o que tinha e o que o Continente lhe deu. O resto pediu emprestado, escondeu e não contou a ninguém. Personifica todos os problemas do nosso Estado, elevados a um cubo que só foi tolerado precisamente devido ao facto de controlar uma região pequena. Não, não é o culpado de todos os nossos males. Mas se queremos mudar as coisas, não conheço melhor sítio para começar.

 

 

Anarquista aos fins-de-semana

Priscila Rêgo, 21.09.11

Rui Tavares escreve hoje no Público acerca da economia belga. "A vingança do anarquista" é acerca do "enigma" em torno do caso belga, uma economia que, não tendo Governo nem as contas em ordem, conseguiu passar pelos pingos da chuva enquanto Grécia, Irlanda e Portugal caíam sucessivamente de joelhos às mãos dos mercados. O artigo ainda não está on line, pelo que reproduzo os dois primeiros parágrafos.

Rouba mas faz

Priscila Rêgo, 20.09.11

E, no entanto, Alberto João - descobrimos, enfim, o Embuçado - não consta haja empochado exorbitâncias. O escandalo, verdade verdadinha, não há meio de surgir. Na Madeira existe défice democrático, existe, no plano dos dinheiros, um passivo monumental, existe isso tudo menos os Freeports e as Luvas Brancas de cá (...) Ao invés, parece que se multiplicaram as redes viárias e os hospitais excelentemente dotados de tecnologia de ponta. Daí, segundo a Imprensa, a famigerada e problemática dívida. Valha-nos isso. Provávelmente a ela devem muitos madeirenses, cont'nentais ou turistas a sua própria vida. Quando, acometidos de doença complicada, chegaram a tempo e horas a estabelecimento de saúde à altura dos seus pergaminhos e propósitos.

 

Uma dívida não tão escandalosa, por João Afonso Machado. Um blogger não tão perspicaz que ainda não percebeu que as "cirurgias de ponta" da Madeira vão agora ter de ser pagas por "cirurgias de merda" no Continente.  

 

O meme socialista

Priscila Rêgo, 20.09.11

Estava a ver o Prós e Contras. O programa tem um tema diferente todas as semanas, mas a estrutura é sempre a mesma. Alguns indivíduos, cheios de vontade de contribuir para o progresso do país, pedem ao Estado que lhes conceda os necessários apoios para que possam levar a cabo o empreendimento. A apresentadora abana com a cabeça e concorda com a necessidade de ajudar esses sectores e actividades - inevitavelmente "estratégicos" e "estruturantes", "inovadores" e "de alto valor social", todos eles "promotores de mudanças paradigmáticas" e por aí fora.

 

Pelo meio, criticam-se alguns outros sectores que estão a impedir o progresso da nação - hoje foram os hipermercados - e enaltece-se a juventude, coragem e ímpeto exportador destes jovens empresários. Faz lembrar vagamente o balneário de uma equipa derrotada: pá, somos muita bons; mas com este azar  - e aquele árbitro - não vamos a lado nenhum. Tudo muito paternalista e assistencialista, como se a criação de riqueza fosse matéria de boa vontade. O problema nunca está no nosso produto, mas no mundo que não lhe reconhece a genialidade.

 

A certa altura, um senhor, cujo nome não fixei, citou um estudo segundo o qual em 2050 haverá falta de alimentos no mundo. Daqui ele extraiu que eram necessários mais apoios ao sector agrícola (que é estratégico e estruturante e está cheio de bons exemplos) para evitar a fome mundial. Mas este é precisamente um argumento para lhe retirar os apoios: se há pouco alimento, os preços sobem e o sector floresce. Não é que antes fossem justificados; mas pelo menos ainda passavam a título de transferências sociais.

    

Era de esperar que a estação pública tivesse uma apresentadora cujo domínio dos princípios básicos da economia lhe permitisse detectar pelo menos as falácias mais gritantes. Mas a RTP é uma estação pública que viveu durante anos fora dos mecanismos de mercado e às custas do dinheiro do contribuinte: as ideias que por lá circulam são as que os socialistas lá meteram. Os seus programas reproduzem essa cultura. Mostram a economia portuguesa como um gigantesco plano quinquenal em que cabe aos planificadores decidir o que produzir, como produzir e a quem entregar o produto. Quem faz o programa não imagina que há uma alternativa. Como poderia? Nunca viu nada diferente.

 

 

 

Não, não é tudo a mesma coisa

Priscila Rêgo, 19.09.11

O último post gerou alguns mal entendidos que convém rectificar. Eu não disse que o Alberto João é igual ao Sócrates - ou pelo menos, que os respectivos legados se assemelham em magnitude. Fiz um paralelo entra a forma como o Continente olha para o Jardim e a forma como os alemães olham para o Sócrates: como um aldrabão irresponsável que gere as contas à medida do seu umbigo. Neste sentido, era mais um post acerca dos alemães do que propriamente acerca da Madeira.

 

Claro que para nós, que estamos habituados a políticos vestidos, o Jardim surge como uma figura demagoga e boçal, talhada à medida de eleitores pequeninos e provincianos. Mas como é que acham que a Alemanha, que tem um limite à dívida inscrita na Constituição, olha para um tipo que deixa o défice chegar aos 9%, se gaba da iniciativa e ainda promete mais para o ano? Daí a ironia das lusobonds: aquilo que o Jardim nos pede agora é aquilo que nós pedimos à Alemanha. E o argumento é o mesmo: solidariedade e unidade. Desta crise temos todos que sair em conjunto.

 

Quanto à questão de fundo: claro que os legados não são iguais. Carlos Abreu Amorim defendeu que "as coisas não são assim tão diferentes". Francisco Texeira faz uma afirmação semelhante e a Helena Matos também acha que é ela por ela. Mas vão ter de martelar muito os números para conseguirem apoiar essa conclusão. Há pelo menos três elementos que tornam a situação da Madeira muito mais grave. E quando digo mais grave é, do género, muuuuuito mais grave. Tipo, mesmo grave. 

 

Em primeiro lugar, a dimensão dos números. Segundo o Banco de Portugal, as brincadeiras do Alberto João obrigaram a uma revisão do défice em torno dos 0,5% do PIB no ano passado. Parece pouco, mas só porque os números não são colocados em perspectiva. É como dizer que a dívida portuguesa é inferior à alemã: claro que é, porque o país também é muito mais pequeno. Para perceber a dimensão do "barraco" é preciso encontrar uma medida que permita harmonizar as comparações.

 

Se usarmos os números do INE, concluimos que o PIB da Madeira anda à volta dos 5.134 milhões de euros. Isto significa que o défice orçamental que lhe caiu agora no colo ronda os 18% do seu PIB. Notem bem: não estou a dizer que o défice do ano passado foi de 18% do seu PIB. Estou a dizer que a "surpresa orçamental" atingiu esse valor. O défice real terá sido seguramente maior. Podia pôr um gráfico a comparar com a situação do continente, mas não quero insultar a inteligência do leitor. 

 

E isto foi no ano das cheias. Não consegui confirmar esta informação pelo google, mas penso que no ano passado o "cheque" que o Jardim recebeu para tratar da reconstrução ascendia a cerca de 900 milhões de euros. Portanto, sem a brebenda "cubana" o défice teria provavelmente superado os 30% do PIB regional. Mas não tenho a certeza e disto e não quero tornar os 30% um cavalo de batalha. Os 18% já são escândalo suficiente. A vergonha é uma cena que, pá, ao Jardim, não assiste. 

 

Estes números contam a estória toda? Não, porque as receitas da Madeira incluem transferências do Governo central. Segundo Orçamento da Região, é um valor a rondar os 300 milhões de euros. Sendo a fonte que é, provavelmente significa que as verdadeiras transferências serão maiores; mas notem que este montante jé é 5 ou 6% do PIB regional. Uma parte do défice que aparece nas contas públicas nacionais destina-se a fazer desaparecer uma parte do défice das contas da Madeira. O Orçamento diz que é a título de "coesão"; mas que coesão? A Madeira já é a segunda região mais rica do país, ora essa.

 

Finalmente, a questão é diferente ao nível da aldrabice de que estamos a falar. O comunicado do Banco de Portugal é muito claro: houve despesas que não foram comunicadas, acordos de renegociação de dívida a que o INE não teve acesso e boletins por preencher. Isto não é negar que o défice é alto até que o INE o apure - é negar ao INE os meios de o fazer. É uma vergonha. Quem quiser conhecer a dívida do Estado, vai ao IGCP e consulta a lista de títulos emitidos; isto deixa muita coisa de fora, mas o essencial está lá. E na Madeira? Ninguém sabe. A banca faz empréstimos e o Jardim não comunica. E estamos nisto há décadas.

 

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