O último post gerou alguns mal entendidos que convém rectificar. Eu não disse que o Alberto João é igual ao Sócrates - ou pelo menos, que os respectivos legados se assemelham em magnitude. Fiz um paralelo entra a forma como o Continente olha para o Jardim e a forma como os alemães olham para o Sócrates: como um aldrabão irresponsável que gere as contas à medida do seu umbigo. Neste sentido, era mais um post acerca dos alemães do que propriamente acerca da Madeira.
Claro que para nós, que estamos habituados a políticos vestidos, o Jardim surge como uma figura demagoga e boçal, talhada à medida de eleitores pequeninos e provincianos. Mas como é que acham que a Alemanha, que tem um limite à dívida inscrita na Constituição, olha para um tipo que deixa o défice chegar aos 9%, se gaba da iniciativa e ainda promete mais para o ano? Daí a ironia das lusobonds: aquilo que o Jardim nos pede agora é aquilo que nós pedimos à Alemanha. E o argumento é o mesmo: solidariedade e unidade. Desta crise temos todos que sair em conjunto.
Quanto à questão de fundo: claro que os legados não são iguais. Carlos Abreu Amorim defendeu que "as coisas não são assim tão diferentes". Francisco Texeira faz uma afirmação semelhante e a Helena Matos também acha que é ela por ela. Mas vão ter de martelar muito os números para conseguirem apoiar essa conclusão. Há pelo menos três elementos que tornam a situação da Madeira muito mais grave. E quando digo mais grave é, do género, muuuuuito mais grave. Tipo, mesmo grave.
Em primeiro lugar, a dimensão dos números. Segundo o Banco de Portugal, as brincadeiras do Alberto João obrigaram a uma revisão do défice em torno dos 0,5% do PIB no ano passado. Parece pouco, mas só porque os números não são colocados em perspectiva. É como dizer que a dívida portuguesa é inferior à alemã: claro que é, porque o país também é muito mais pequeno. Para perceber a dimensão do "barraco" é preciso encontrar uma medida que permita harmonizar as comparações.
Se usarmos os números do INE, concluimos que o PIB da Madeira anda à volta dos 5.134 milhões de euros. Isto significa que o défice orçamental que lhe caiu agora no colo ronda os 18% do seu PIB. Notem bem: não estou a dizer que o défice do ano passado foi de 18% do seu PIB. Estou a dizer que a "surpresa orçamental" atingiu esse valor. O défice real terá sido seguramente maior. Podia pôr um gráfico a comparar com a situação do continente, mas não quero insultar a inteligência do leitor.
E isto foi no ano das cheias. Não consegui confirmar esta informação pelo google, mas penso que no ano passado o "cheque" que o Jardim recebeu para tratar da reconstrução ascendia a cerca de 900 milhões de euros. Portanto, sem a brebenda "cubana" o défice teria provavelmente superado os 30% do PIB regional. Mas não tenho a certeza e disto e não quero tornar os 30% um cavalo de batalha. Os 18% já são escândalo suficiente. A vergonha é uma cena que, pá, ao Jardim, não assiste.
Estes números contam a estória toda? Não, porque as receitas da Madeira incluem transferências do Governo central. Segundo Orçamento da Região, é um valor a rondar os 300 milhões de euros. Sendo a fonte que é, provavelmente significa que as verdadeiras transferências serão maiores; mas notem que este montante jé é 5 ou 6% do PIB regional. Uma parte do défice que aparece nas contas públicas nacionais destina-se a fazer desaparecer uma parte do défice das contas da Madeira. O Orçamento diz que é a título de "coesão"; mas que coesão? A Madeira já é a segunda região mais rica do país, ora essa.
Finalmente, a questão é diferente ao nível da aldrabice de que estamos a falar. O comunicado do Banco de Portugal é muito claro: houve despesas que não foram comunicadas, acordos de renegociação de dívida a que o INE não teve acesso e boletins por preencher. Isto não é negar que o défice é alto até que o INE o apure - é negar ao INE os meios de o fazer. É uma vergonha. Quem quiser conhecer a dívida do Estado, vai ao IGCP e consulta a lista de títulos emitidos; isto deixa muita coisa de fora, mas o essencial está lá. E na Madeira? Ninguém sabe. A banca faz empréstimos e o Jardim não comunica. E estamos nisto há décadas.