Salvar vidas
Perdi um livro, julgo, do António Barreto. Era uma colecção de crónicas que escreveu há muitos anos, mal tinha eu começado a caminhar na Terra, que comprei na liquidação da Buchholz. Um dos artigos propunha, já naqueles tempos idos, a legalização de todo o tipo de drogas em Portugal. E propunha-o pelo simples motivo de que, ao fazê-lo, o Estado garantia à população uma série de benefícios: maior controlo e qualidade dos produtos, menos criminalidade organizada, mais transparência no consumo, maior facilidade na obtenção de ajuda, maior informação, mais saúde. Tudo consequências tão óbvias quanto ignoradas.
Lembrei-me dele a propósito de uma notícia sobre uma clínica canadiana, a Insite, que permite há quase dez anos que pessoas normais possam, em ambiente seguro e controlado, consumir qualquer tipo de droga. O resultado não foi um apocalipse moral, mas sim uma série de melhorias na vida da comunidade. A criminalidade, a transmissão de doenças e as mortes por overdose diminuiram e, se calhar o fenómeno mais relevante, mais pessoas entraram em tratamento.
Não deixa, por isso, de ser natural que na altura de justificar o não encerramento do espaço o Supremo Tribunal Canadiano tenha defendido que a clínica «has been proven to save lives with no discernible negative impact on the public safety and health objectives of Canada». Ou isso, ou os americanos bonzinhos tornaram-se bárbaros mauzões.