Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

Oh my fucking God!

Priscila Rêgo, 30.11.11

No Insurgente, António Costa Amaral apresenta-nos um insight profundo e inesperado da Escola Austríaca de Economia. Mais uma crítica demolidora ao mainstream, e um prego adicional no caixão do keynesianismo, já ferido de morte depois de ter visto refutado o seu axioma fundamental de que os recursos são infinitos. Desta vez, o problema é do investimento. Parece que não entra no PIB. 

 

(...) To what extent does it [GDP] measure current consumer standards as opposed to prosperity in future? These two are entirely at odds with each other, because future prosperity is governed largely by the role of capital goods. But an increase of capital (i.e. savings and investment) means that current living standards are held back in the short term. So guess what: GDP statistics take little or no account of saving, the sine qua none for long term growth! (...) Rothbard, another king of the Austrian School, argued that all government spending should be subtracted from private spending as depredation on private production, and then we should subtract the resources drained from the private sector, to arrive at ‘Private Product Remaining in Private Hands’. Which brave economist will sign up to calculate this?

 

Acalme-se. Sente-se. Respire fundo, descanse e pegue num manualzinho jeitoso, como os que são dados a qualquer aluno num primeiro ano de economia. Agora, vamos pensar.  

 

Uma das equações do PIB é: PIB = C + G + I + X. O I representa - guess what - uma coisa chamada... Investimento. A tal poupança que o PIB não leva em conta. O C representa os bens adquiridos pelas famílias no mercado e o G - adivinhem lá - designa os produtos e serviços postos à disposição das famílias pelo sector público. O brave economist que o autor desafia a fazer estes cálculos pode ser qualquer um que já tenha visto um quadro de Contas Nacionais à frente.

 

A crítica de Rothbard - mesmo que se lhe dê um desconto por eventual má interpretação do discípulo - também não faz sentido. Quando se separa a produção mercantil da produção pública já se está a distinguir o que é comprado voluntariamente via mercado daquilo que é fornecido coercivamente pelo Estado. A proposta de Rothbard parece ser deduzir esta segunda da primeira parcela e, a este resíduo, voltar a retirar a produção do Estado. Isto é pura dupla contabilização. Mas admito: pá, dá um ar bué da complexo e profundo à cena.

 

Mises tinha quase 70 anos quando a primeira medição oficial de PIB (de acordo com os actuais critérios) foi feita nos EUA, e praticamente 80 quando ela se generalizou na Europa. As suas críticas podem ser desculpadas com o desconhecimento compreensível de uma coisa recente, ou com a indulgência com que habitualmente tratamos os idosos. Mas quem vive na era da internet, em que a fórmula de cálculo do PIB está à distância de um clique, não tem desculpa possível.

 

P.S.- Ou, como escrevi há uns dias, "aqueles que pensam ter transcendido os modelos mais básicos acabam, quase invariavelmente, por revelar que nem sequer os perceberam".  

 

 

Patetices

Rui Passos Rocha, 30.11.11

 

De acordo com o Filipe Nunes Vicente [1], o anúncio televisivo em que uma mulher vítima de violência doméstica é mostrada na morgue é mero desperdício de dinheiro. «O corpo de uma mulher morta à pancada faz tanto pela diminuição da violência sobre as mulheres como o deserto faz pela falta de água. A linha é a mesma das campanhas de prevenção rodoviária: carros destruídos, sangue, aleijados, o resultado é o mesmo.»

 

Não googlei sobre as campanhas de prevenção rodoviária, por falta de tempo e por já imaginar o resultado da pesquisa. Ainda assim, e porque o FNV escreveu que «a ideia de uma campanha para prevenir a maldade é pateta», decidi puxar os galões de idiota e exercitar os lumbricais. E o que descobri foi que, afinal, não pareço ser eu o pateta.

 

Uma das coisas que estão a ser testadas - sobretudo nos países africanos onde, estranhamente, a maldade é uma coisa arreigada - é a transmissão de novelas na rádio. Não encontrei, ainda assim, estudos que liguem isso à evolução dos casos reportados de violência doméstica. Mas encontrei-o para as Filipinas: foi criada uma novela que salientava a importância de tomar conta dos filhos, de perdoar, partilhar as tarefas domésticas e tal. Um mês após o final da novela parece que 75% dos governantes de aldeia contactados disseram que ao longo desse mês nenhum caso de violência doméstica tinha sido denunciado [2].

 

No Canadá, onde foi feita uma experiência-piloto de tolerância zero para casos deste tipo, parece que «os media desempenharam um papel significativo na forma como a comunidade percepcionou o problema da violência doméstica» [3]. E, parecendo que não, não é apenas o povo quem absorve os conteúdos divulgados pela comunicação social; também as elites - que decidem as reformas legislativas que o FNV considera serem o único meio possível para reduzir a violência doméstica - se informam. OK, o Presidente da República não lê jornais, mas é capaz de haver um ou outro político que o faça. Por isso, os media podem desempenhar um papel relevante nas reformas legislativas [4].

 

Nota: Aqui vai a sobremesa.

Tentativas, erros e algumas possibilidades

Tiago Moreira Ramalho, 28.11.11

Um lugar comum da Economia é que não é possível fazer experiências, o que não é bem verdade. Todas as políticas económicas são experiências e a ciência evolui com sucessivas tentativas, umas responsáveis por bons resultados, outras por calamitosas desgraças. O Euro é uma experiência. As respostas à crise do Euro são experiências. Dessas experiências, os economistas tiram as devidas conclusões.

Os últimos anos europeus permitem, para já, algumas possibilidades relevantes, mesmo que não tenhamos certezas sobre nada. Enquanto os Estados Unidos foram a força propulsora da crise e continuam com défices clamorosos, o mercado esbofeteia-se por lhes comprar títulos do tesouro. Já a Europa, que levou com a onda como resultado das tropelias americanas, vê-se sem grande solução e até a própria Alemanha começa a tremer. Isto parece lugar comum, depois de meses de discussão, mas um problema grego alastrou-se a Portugal, Espanha, Itália e França, pelo menos até agora. O problema da periferia é, como li algures, um problema de meia Europa. E a Alemanha, lamenta-se, depende das exportações para essa meia Europa. Afundar uma das partes significa afundar a outra. Tudo isto, atente-se, apesar de programas de austeridade sérios (pelo menos em parte dos países), de governos depostos, de tecnocracias instaladas e de similares movimentações. Contudo, pouco ou nada se vê.

Poderia argumentar-se com o tempo, dado que tudo é muito recente. No entanto, os mercados raramente olham para o passado, por isso o tempo é uma variável pouco relevante. Poderia argumentar-se com a incapacidade de cumprimento dos programas, mas até a troika diz que Portugal está a fazer o que é certo. Poderia argumentar-se com campanhas dos mercados, mas esta já ninguém engole.

A lógica tem sido, grosso modo, a seguinte: impor austeridade aos países devedores e não dar mais margem de manobra ao BCE, anulando um instrumento de política macroeconómica. Basicamente, anulam-se deste modo os dois instrumentos de política macroeconómica existentes: política fiscal (os países não se conseguem financiar) e política monetária (o BCE só existe para assegurar uma inflação teutónica). Claro que se criam mecanismos para deixar o vapor sair em pequenas doses, como os fundos europeus (que nem chegam para ajudar a Itália, quanto mais meia Europa), que têm como fundamental objectivo replicar o que seriam os resultados de uma das políticas, mas cujo alcance é fundamentalmente reduzido.

Pessoalmente, concordo com as medidas de austeridade impostas. Os países têm de honrar os compromissos, mesmo que possam ter pontuais ajudas. Não se pode resolver tudo com emissão de moeda, ou lá teremos as criancinhas europeias a brincar com notas de quinhentos nas ruas. No entanto, a obsessão leva à desgraça. A simples possibilidade de um credor de último recurso acalma as expectativas negativas (que, nos mercados, geram por si próprias realidades negativas). Pode ser por isso que dois países essencialmente indistinguíveis na maior parte dos aspectos políticos como são a Finlândia e a Suécia comecem a ter diferenças substanciais na capacidade de financiamento, sendo o juro para a Finlândia cada vez maior (provavelmente porque a Suécia, caso seja necessário, pode imprimir a sua própria moeda). Ou pode ser também por isso que o Reino Unido começa a financiar-se a preços mais baixos que a própria Alemanha. Dificilmente se pode dizer com certeza que há aqui relações causais, mas começa a adivinhar-se uma tendência.

A The Economist dá-nos algumas semanas para agir antes do colapso. Não sei se terá razão, mas alguma coisa tem de ser feita. Pode ser que com a água a chegar às solas nórdicas a pressão sobre o eixo director comece a fazer-se sentir e a Europa páre de se contaminar com os traumas alemães.

Austrianismozinho

Tiago Moreira Ramalho, 28.11.11

O ambiente intelectual numa universidade de espírito libertário é tão irrespirável como o das universidades de matriz socialista. A juventude, essa coisa maravilhosa dos livros, tem uma capacidade fenomenal para a irracionalidade e para o fanatismo.

100% de adesão nas Ciências Sociais

Vasco M. Barreto, 25.11.11

Já se sabe qual foi a adesão à Greve Geral de ontem? Ter a opinião pública refém das manipulações do Governo e dos sindicatos é um sinal de atraso. Só que é também um sinal da falta de imaginação e de iniciativa dos nossos cientistas sociais. A assinar documentos em defesa da dignidade do Trabalho e do Estado Social foram muito eficientes, mas não quando se trata de pensar e tentar soluções para obter em tempo real números credíveis sobre greves, para eventualmente defender a dignidade do trabalho e, em todo o caso, defender a verdade. Com tanto departamento, tantos académicos, tanto inquérito,  tanto projecto financiado, tanta tese por aí a ser feita, não há ninguém que veja num anúncio de greve geral uma excelente oportunidade para testar métodos de amostragem, das rudimentares contagens feitas pelos seguranças dos edifícios, à taxa de utilização dos computadores do escritório, passando pelo consumo de energia, etc.?

 

 

"A greve é geral", mesmo que não queiram

Rui Passos Rocha, 24.11.11

Não querendo destoar, até porque o TMR e o JPM fizeram um bom trabalho em destruir-me assunto, há uma coisinha aqui a causar-me comichão: a lei diz que os piquetes de greve podem persuadir pacificamente os não grevistas para que mudem de opinião, mas ao que parece em Oeiras, em Penafiel e na Musgueira os piquetes terão feito por impedir - pacificamente ou não, não sei, mas imagino que sim - que os trabalhadores dos serviços mínimos fizessem a sua parte.

 

A Lei da Greve já deu umas voltas desde então (a última é de 2009), mas se a interpretação da PGR for a mesma de 1978 a razão parece não estar do lado dos piquetes: "Há exercício abusivo do direito a greve se a actuação do piquete for acompanhada de ameaças ou violências ou de qualquer acto ou comportamento adequado a intimidar ou pressionar os não grevistas obrigando-os a modificar a sua decisão inicial". Se o meu Priberam for igual ao vosso, cheira-me que impedir (foi um grevista da Musgueira que usou o termo) é exercício abusivo.

Economia para crianças

Priscila Rêgo, 24.11.11

Parece que um grupo de alunos abandonou uma aula do Gregory Mankiw em protesto contra a forma como a economia é ensinada no seu livro introdutório de economia. Há muitas queixas; uma, em particular, é a apresentação da economia de Adam Smith como sendo alegadamente mais fundamental do que a economia keynesiana.

 

Há algo de injusto na crítica. Qualquer professor tem de começar por algum lado, e os pressupostos da racionalidade e de mercados perfeitos, que estão subjacentes à microeconomia I que se aprende nos manuais, são building blocks importantes. Não é possível compreender a importância que a rigidez dos preços tem na vida das pessoas sem primeiro se perceber como funcionaria um mundo sem fricções deste género. A experiência também mostra outra coisa engraçada: aqueles que pensam ter transcendido os modelos mais básicos acabam, quase invariavelmente, por revelar que nem sequer os perceberam. 

 

Mas, apesar desta piecemeal approach me parecer pedagogicamente acertada, ela pode ser politicamente perigosa. Porque se vamos esperar três ou quatro anos de academia para explicar aos jovens que o mercado laboral não se ajusta tão rápido como o mercado de lentilhas, arriscamo-nos a criar, por cada mestrando de qualidade, uma horda de licenciados sem noção do mundo em que vive. E não queremos que as crianças se transformem em monstros só porque faltaram às últimas aulas do ano. 

 

Não sendo fácil resolver este dilema, o Robin Wells dá aqui algumas dicas que deveriam ser lidas por muito boa gente. Provide context, build trust, address distributional issues e adopt some humility são chavões demasiado gerais para os leitores perceberem o que está em causa, mas ter escrito um post inteirinho só para alertar para o texto do Robin revela bem a importância da coisa. Senhores professores de economia, façam lá o favor de ir ler aquilo.  

 

 

As mentalidades

Tiago Moreira Ramalho, 24.11.11

Eu nasci com a «mudança de mentalidades» enfiada nos ouvidos. Por isso, ler repetições exaustivas destes pedidos elevados apenas me traz a náusea e, porque sou sensível a este tipo de discurso, o desconforto. Ainda assim, Peter Cohan escusa-se a mostrar alguma consideração pela minha condição infeliz e escreve um artigo em que mais nada pede ao povo português do que, precisamente, uma «mudança de mentalidades».

Não digo que o desagradável Peter Cohan esteja totalmente errado, principalmente no assunto em questão. É um facto que os nossos empresários não procuram financiamentos alternativos. Em regra, desconfiam da bolsa, adoram os bancos e veneram as heranças. No entanto, não é com apelos apaixonados à mudança do gene pátrio e à busca de uma alma perdida no Equador quatrocentista que as «mentalidades» mudam. Não é mostrando Sillicon Valey como uma mina brasileira que se empurra os empresários para uma gestão mais inteligente.

Os empresários respondem a incentivos. São humanos, na maior parte dos casos conhecidos. E os incentivos, principalmente quando esses humanos têm fracas (mesmo quando «superiores») formações, são dados pelas políticas e pelo discurso político. E nenhum dos dois é particularmente simpático ao capitalismo. A direita medrosa e burrinha alinha com a esquerda desempoeirada à chinesa defendendo que o caminho é o subsídio, as variações nos impostos e a linha de crédito. O mercado e o estrangeiro são as nossas abominações de estimação. A Tatcher dizia aos ingleses para encararem o mercado como uma possibilidade. Nós não temos nenhuma Tatcher. Arranje-nos uma, Peter, e a gente depois conversa.

Pág. 1/5