Problemas reais
No Ladrões de Bicicletas, João Rodrigues pergunta quais são os problemas reais do país. Segundo o Banco de Portugal (sem link, porque ele não cita e eu não consegui confirmar), não são as leis laborais, os custos com o trabalho ou os impostos. São sobretudo a falta de procura e as restrições ao nível do crédito. Não há que enganar, porque são os próprios empresários que o dizem. Certo?
Bom, não. Se alguém perguntar por que é que a minha avó demora tanto tempo a chegar a casa, a maior parte das respostas girará em torno da sua provecta idade, da sua condição física ou do calçado pouco apropriado. Mas se a mesma pergunta for feita a um pardal, ele apontará para algo muito mais óbvio: faltam-lhe asas e uma quilha mais robusta.
Ambas as respostas estão correctas, no sentido em que identificam características ou circunstâncias que, se alteradas, conduziriam a uma melhoria na performance atlética da minha avó. São contra-factuais simples. Mas o tipo de respostas fornecido depende em grande medida das experiências de cada pessoa e daquilo que ela(s) identifica(m) como alternativas exequíveis à presente situação.
Para os empresários portugueses, ter leis laborais mais flexíveis e uma justiça célere é como ter asas: nem sequer vem à cabeça quando se pensa em mudar as coisas. Estes problemas estão tão arreigados na economia portuguesa que deixaram de ser considerados como agentes patogénicos a expulsar. Já são parte da mobília, como aquele móvel pesado, grosso e carunchoso que a madrinha idosa pediu para guardarmos. É chato, mas não há nada a fazer.
Isto revela-se na forma como o próprio INE coloca as perguntas. Nos questionários feitos às empresas (de resposta fechada, por cruzinha), os obstáculos à produção podem ser o crédito bancário, dificuldades de tesouraria, falta de pessoal qualificado e falta de procura. Morosidade da justiça, falta de flexibilidade laboral, má regulação e por aí fora nem sequer constam do menu. Até o INE já se resignou.
Mas isto é só em Portugal. Quando se alarga o leque de respostas, lá aparecem a burocracia, as restrições do mercado de trabalho, a instabilidade política e os impostos como principais preocupações dos empresários. É preciso ver as coisas de fora para se ter uma perspectiva mais alargada.