Londres II
O Henrique Raposo também comete aqui uma falácia muito comum. Dou-lhe a palavra.
Quando diz que a culpa disto é do governo, porque fechou centros de dia para os jovens (seja lá o que isso for), o ex-mayor de Londres está a dizer - implicitamente - que estes jovens têm de ser entretidos pelo estado. Porque, ora essa, se não forem entretidos, os ditos jovens vão virar vândalos. E é isto que enjoa. É esta ligação falaciosa entre o bolso e a moral que me tira do sério. Aliás, esta associação imediata entre o "Pobre" e a "violência" começa a ser repugnante. Porque é ofensiva para quem nasceu pobre. Que eu saiba, pobre não é sinónimo de vândalo ou de rufia.
Bom, é um pouco mais complexo do que isto.
Nem todos os pobres roubam. A maioria é boa gente. Eu própria considerava-me boa gente quando, não há muito tempo atrás, vivia com o extraordinário salário de 600€/mês. Mas isto é tão válido para o acto de roubar como para o acto de ler livros e ir à ópera. Alguns pobres fazem um esforço genuínio para lerem uns livros, acederem à alta cultura e aprenderem umas coisas. Em média, contudo, continua a ser muito mais provável que ver um rico do que um pobre na Quinta Sinfonia do Beethoven ou na secção de Ciência Política da FNAC. Ser pobre não é uma prisão. Mas pode ser um fardo pesado.
E este é um ponto em que a investigação no campo da ciência política e economia até tem produzido resultados mais sólidos e duradouros. A relação entre violência, assaltos e pobreza/desigualdade é altíssima, em praticamente todos os casos analisados. Se queremos saber a taxa de homicídios por mil habitantes numa dada região ou país, o melhor indicador para o prever é a desigualdade, e não a quantidade de meios colocados à disposição da polícia. Não é moral bacoca. São números.
Isto não significa que a pobreza causa o crime. O pobre que rouba não é um autómato que não pensa. Mas é precisamente por não ser que este comportamento é compreensível. O homem é um ser racional que reage a incentivos, e uma das motivações mais fortes é comparar-se com os outros homens (algo que se traduz em resultados interessantes). Quanto maior a desigualdade, maiores os incentivos para a) contornar a desigualdade através de mecanismos ilícitos; b) melhorar a auto imagem através de uma sensação de superioridade não económica, como a violência e o abuso. A pobreza não causa o crime, mas gera um sistema de incentivos em que o recurso ao crime se torna relativamente mais apetecível.
À Direita que tem dificuldade em entender o conceito de incentivos, sugiro que troque desigualdade por "ausência de polícia nas ruas". A ausência de polícia nas ruas não torna ninguém crimininoso. Mas torna o crime uma actividade bastante mais proveitosa do que se as forças da segurança estiverem presentes. Talvez assim fique mais fácil de entender a ideia.