A verdadeira dívida alemã
Eu ainda não tive tempo para perceber exactamente a polémica em torno da suposta "dívida escondida" da Alemanha. Mas se o problema é o que o Nuno Serra refere neste post, ainda bem que não o fiz.
Segundo o post (e uma notícia da Bloomberg), a "dívida escondida" refere-se a despesas previstas com reformados, doentes e outros dependentes da Segurança Social que não foram devidamente incluídas no cálculo da dívida pública. Mas a dívida pública não é o conjunto das responsabilidades que vamos ter no futuro: são as responsabilidades que, tendo sido contraídas no passado, transitam para o futuro e somam-se às responsabilidades que aí serão assumidas.
Um exemplo simples. Se eu ganhar 1000€/mês e gastar 1100€ por mês, gero um défice mensal de 100€ por mês. A minha dívida é o somatório de todos os défices que a diferença entre o meu consumo e o meu rendimento gerou. Esta dívida acumulada terá um dia de ser paga. E o consumo excessivo que tive no passado terá de ser pago com um consumo reduzido no futuro, à medida que uma parte cada vez maior do meu rendimento tiver de ser usada não para consumo mas para amortizar os empréstimos. É por isso que a dívida é importante. Não é um objectivo em si; mas representa uma restrição futura que convém monitorizar no presente.
Se contabilizarmos como dívida todas as responsabilidades que terão de ser assumidas no futuro, chegamos à conclusão que a minha dívida é, logo à nascença, gigantesca. Basta contabilizar todas as "despesas não assumidas" com a comida que vou comer, a habitação que vou usar e a roupa que vou vestir. No caso de um Estado, que tem uma vida potencialmente infinita, a dívida pública seria também potencialmente infinita. Uma verdadeira lógica da batata.
Como isto é demasiado absurdo (embora, pelos vistos, haja quem não desconfie...), é provável que a mensagem original tenha sido deturpada. Provavelmente, o cálculo refere-se a ajustamentos necessários no sistema de segurança social alemão. Por exemplo, calcula-se que, com as actuais regras de aposentação, e dada a tendência demográfica, a Alemanha chegará a um determinado período com um "gap" entre receitas e contribuições de X ou Y mil milhões de euros. Mas isto tem que ver com a segurança social, não com dívida pública. E se entrarmos por aí, não é seguramente a Alemanha que tem de mexer mais nas regras...