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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

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O dilema do BCE 1 [Pode ser enfastiante]

Priscila Rêgo, 04.12.11

Vamos imaginar que vai em frente a "solução BCE" para a crise da dívida soberana. Em termos simples, o BCE faz aquilo que o FMI e os países europeus, através dos fundos criados nos últimos dois anos, não podem fazer: garantir a compra de tanta dívida pública quanto for preciso para garantir que os Estados em dificuldade conseguem financiar-se a juros razoáveis. Esta promessa está garantida por uma arma de munições ilimitadas: a “impressora” do BCE.

 

O que pode acontecer?

 

 

Num cenário ideal, os mercados acreditam na "ameaça" do BCE e o segmento da dívida soberana normaliza. Perante a certeza de que os títulos são de "valor garantido", os investidores voltam a transaccioná-los como antes. Os juros estabilizam. Países como a França, Bélgica e Itália esquecem os programas de ajustamento e a economia europeia recupera mais rapidamente. No final, os défices até ficam com melhor aspecto e, mais importante, o BCE nem teve de mostrar o cash.

 

Mas e um cenário terrível em que os investidores não acreditam no compromisso do BCE? Pode bem acontecer alguma coisa deste género.

 

1. O BCE tem de comprar a todo o gás títulos da Grécia, Portugal, Irlanda e, subitamente, também da Itália. O contágio alastra: quando dá por ela, o BCE já tem o seu balanço encharcado de dívida espanhola, belga e francesa. Eslováquia e Eslovénia são referidas nos jornais, mas implementam rapidamente planos de austeridade suficientes para atirar o défice para 0%. 

 

2. Alguns meses depois, a inflação começa a subir. Depois de ter atingido os 2%, salta para 3%. Em situação normal, o BCE subiria a taxa de juro, "reabsorvendo", a um juro mais baixo, a moeda introduzida no sistema nas semanas anteriores. Mas desta vez é diferente: a moeda posta a circular está "trancada" durante um período bem longo (potencialmente tão longo quanto o prazo dos títulos adquiridos) e os défices continuam a exigir compras avultadas de dívida pública nos mercados.

 

3. O BCE tenta destapar as mãos para cobrir os pés. Sobe abruptamente a taxa de juro directora e avança para operações de esterilização da moeda. A banca treme. O sector privado acusa a redução do número de empréstimos. Entretanto, os juros no mercado secundário não baixam: o BCE, fiel à promessa, continua a comprar títulos soberanos, injectando moeda no sistema que não poderá ser retirada durante vários anos. A inflação atinge os 6%.

 

4. Os alemães dizem que o BCE esqueceu a prioridade dada aos preços. O BCE permanece comprometido com a compras de títulos de dívida soberana. Entretanto, as expectativas de inflaçãoe estão completamente desancoradas. Apesar da economia estar em recessão, os sindicatos pedem aumentos de 10% para colmatar a perda de poder de compra. O BCE recusa parar as compras de títulos.

 

5. Os alemães não estão para aturar isto e saem do euro. O euro cai a pique, a inflação dispara e há, pela primeira vez desde a construção da moeda única, uma crise na balança de pagamentos dentro da Zona Euro. A inflação, que já ia nos 15%, dispara para 20%. Critica-se o BCE. Países como a Finlândia e Áustria ponderam sair. O euro cai ainda mais. A inflação já vai nos 30%. Meses depois, o euro acaba. Crise bancária generalizada e uma recessão brutal em toda a Europa. A Grande Recessão torna-se a Grande Depressão do século XXI. 

 

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