Os Legados
No país do ódio, como o Henrique Raposo lhe chamou um dia, não é de estranhar que no meio da desgraça invistamos naquilo em que a nossa vantagem comparativa é mais sonora: desviar a atenção para um problema distante, para uma culpa alheia. E se isto pode ser aceite em pequenas doses (hábitos culturais, tolerância, piedade, talvez), há alturas em que marcas perigosas são ultrapassadas e nós estamos perigosamente perto de ultrapassar uma.
Evocar o legado Nazi para descredibilizar a Alemanha, reclamando que também eles, esses assassinos em massa na reforma, foram perdoados de dívidas, que nunca compensaram aqueles que às suas mãos sofreram, que foram auxiliados pelo Ocidente inteiro em época de desgraça, para justificar o nosso mau comportamento é politicamente infantil. Aliás, atrevo-me a dizer que é infantil ponto.
Não é preciso ser um génio antropológico para deduzir que a geração com quem lidamos hoje não é a que causou todos esses males, salvo raras excepções de particular longevidade. É ridículo, portanto, limpar uma culpa que é nossa de uma culpa que não é deles.
Além disso, é estranho que as nossas revoltas anti-nazi só agora se revelem. Onde andaram esses palavrosos defensores dos direitos dos judeus há quatro ou cinco anos atrás? Porque é que só agora que estamos num conflito de interesses com a Alemanha é que os intelectuais pátrios se lembram que a Schuld ainda não foi paga? Por favor, evitem o ridículo.
P.S.: A última frase foi reformulada, devido a um manifesto excesso da minha parte.