Vamos imaginar uma economia fechada, que funciona com plena utilização de recursos (PIB = PIB potencial). Esta economia não tem impostos, pelo que toda a despesa pública é financiada por dívida pública. O investimento privado também é financiado com recurso à dívida. É algo deste género:
- PIB = 100
- Consumo privado = 60
- Investimento privado = 20
- Consumo público = 10
- Investimento público = 10
- Dívida Pública = 20
- Dívida privada = 20
- Activos privados = 40
- Posição líquida externa = 0
Se o Governo aumentar o défice para fazer investimento público - e mantendo o pressuposto de que a economia está a funcionar no seu potencial -, há crowding out. O investimento público faz-se à custa do investimento privado. A coisa fica assim:
- PIB = 100
- Consumo privado = 60
- Investimento privado = 10
- Consumo público = 10
- Investimento público = 20
- Dívida Pública = 30
- Dívida privada = 10
- Activos privados = 40
- Posição líquida externa = 0
Se o Governo aumentar o défice para fazer mais consumo público, os valores alteram-se para:
- PIB = 100
- Consumo privado = 60
- Investimento privado = 10
- Consumo público = 20
- Investimento público = 10
- Dívida Pública = 30
- Dívida privada = 10
- Activos privados = 40
- Posição líquida externa = 0
Vamos agora imaginar que o Governo aumenta o défice para financiar o consumo público ou o investimento público no contexto de uma economia aberta, em que não há nenhum efeito ricardiano. Ou seja, os consumidores e empresas não reduzem o seu consumo/investimento quando o Governo aumenta o seu défice - pura e simplesmente passam a importar os bens de consumo e de capital que antes compravam no mercado interno. Isto deve ficar mais ou menos assim:
- PIB = 100
- Consumo privado = 60
- Investimento privado = 20
- Consumo público = 10/20
- Investimento público = 20/10
- Dívida Pública = 30
- Dívida privada = 20
- Activos privados = 40
- Posição líquida externa = -10
Daqui extraem-se três conclusões. Primeiro, um défice não implica que o país fique endividado (exemplos 1 e 2). Pode simplesmente implicar que uma parte do país fique endividada a outra parte do mesmo país. E um país que deve a si mesmo não é uma família que deve ao banco.
Segundo, um défice também não implica qualquer transferência de recursos da geração seguinte para a geração actual. No exemplo 2, o Governo aumenta o consumo às custas do investimento - que é consumo futuro. Mas no exemplo 1, o investimento total permanece constante. No limite, o investimento público pode até ser financiado com cortes no consumo privado, o que significa uma transferência de recursos das gerações actuais para as gerações vindouras.
Terceiro: no último caso, o país fica de facto endividado perante o exterior. Só que este endividamento não é necessariamente mau nem significa um fardo para as gerações futuras. Basta que sirva para financiar investimento público e que o efeito deste investimento no crescimento económico seja suficiente para contrariar o efeito dos juros (e capital) da dívida externa.