O" superior interesse da criança"
Em última análise, depois de lhe retirarmos eventuais preconceitos de ordem religiosa, homófoba ou outros, a resistência a novas formas de procriação e de organização familiar radica num único princípio, o “superior interesse da criança”. O “superior interesse da criança” postula que a criança precisa de um casal heterossexual e, como a maior parte da população foi gerada e criada assim, ir contra tal ideia é tão herético como tomar partido quando nos perturbavam a infância com o “gostas mais do pai ou da mãe?” Mas mesmo sem perder uma linha a tentar rebater o princípio, convém lembrar que as pessoas não têm filhos por causa do “superior interesse da criança”, entre outras razões porque a criança ainda não existe. As pessoas - todas as pessoas - têm ou adoptam filhos porque sentem que isso lhes completa a existência, ou seja, por egoísmo. O poder do Estado para modular esse desejo é algum (os incentivos à natalidade, etc.), mas limitado, e desde que exista a possibilidade técnica de ter uma criança, os pais em potência não vão desistir. Como só um Estado totalitário pode contrariar essa obstinação, na prática o “superior interesse da criança” não pode funcionar a anteriori numa sociedade decente e ser aplicado de um modo - digamos - “preventivo”. Daqui decorre que leis que proíbam ou omitam determinados cenários - como a co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo e a procriação medicamente assistida acessível a mulheres sem parceiro masculino - são uma espécie de suicídio legal, porque violam o interesse superior que tentam proteger. É o que sucede com a lei do casamento para pessoas do mesmo sexo e a lei que regulamenta a procriação medicamente assistida. Nasceram tortas e é tempo de as endireitar.