Reais manifestações
Há em mim sincera afecção pelo movimento monárquico português. E se é certo que lhes aprecio cada pequena particularidade, refiro-me aqui principalmente à soberba criatividade revelada em cada actividade. Eles trepam edifícios altos para hastear bandeirinhas mortas. Eles passeiam de barco pelo simples prazer de desembarcarem cantando numa praia qualquer. Agora fizeram um manifesto.
Não há mal aqui. Os manifestos são coisa preciosa e este tem as suas virtudes. Avisa-nos que “vivemos dias difíceis” e adverte-nos da dificuldade de “dar uma esperança real”. Felizmente, informa-nos que “Portugal precisa de um rei”, ideia muito reforçada pela necessária “justiça histórica”, que deve ser severamente aplicada a um regime que foi “imposto ao nosso povo pela lei das armas e precedido de um grave homicídio”.
Tudo isto é evidente. Preocupa os monárquicos que a República tenha sido implementada à custa de sangue. Estranha-se o silêncio sobre a nação que nasceu com um barbudo a bater na mãe. Para quando uma dose de “justiça histórica” aqui? Para quando quiserem, mas sempre com a expectativa esclarecida: mal nos reunamos a Castela, de Marrocos virão cartinhas de desagrado pela desfeita.
São raríssimas as mudanças de regime feitas sem sangue e desconhecidos regimes perfeitos. No entanto, é seguro dizer que invasõezinhas semanais de grupelhos revolucionários não dão saúde. A beleza e a força de um regime não estão na sua forma, mas na sua estabilidade e dignificação. Com ou sem coroas.
Publicado no Jornal i.