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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

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Energia e sinalização

Priscila Rêgo, 15.03.12

O João Miranda respondeu ao meu post acerca de energia. Diz ele:

 

Privatizar a EDP com a intenção de sinalizar uma abertura ao investimento estrangeiro e de seguida criar um imposto especial sobre a EDP sinaliza oportunismo, falta de rumo e navegação à vista.  O que se está a dizer aos investidores estrangeiros é mais ou menos isto: “invistam cá que a gente já inventa um imposto para vos depenar” (...) Mesmo um país que não aparenta estar no caminho do socialismo tem que dar garantias de que os investidores não serão fortemente taxados depois de os investimentos estarem feito no território que esse país domina.

 

Argumentar com o João Miranda pode ser um exercício arriscado se não soubermos onde nos estamos a meter. Deixem-me deixar bem claro no que é que concordamos, no que é que discordamos e de que forma é possível saber quem tem razão. 

 

A sinalização é importante porque revela intenções que não são directamente observáveis. Através do comportamento de um agente, é possível construir uma opinião acerca das suas intenções e formar expectativas em relação ao seu comportamento futuro. Mas um único comportamento pode sinalizar coisas diferentes. Se eu reagir a um assalto à faca com confiança e coragem, posso revelar ao meu agressor que tenho um background em artes marciais suficientemente sólido para o fazer pensar duas vezes; ou, alternativamente, que perdi a sanidade mental. À partida, e sem ter mais elementos de contexto, é difícil saber de que forma é que o meu comportamento vai ser lido (é por isso que o bluff pode ser um pau de dois bicos, como qualquer instrutor de defesa pessoal deverá dizer aos seus alunos).

 

Pela mesma razão, não é possível saber ao certo qual a leitura que os investidores farão de um "rasgar de contratos" com a EDP. Talvez fiquem mesmo a pensar que isto é uma república das bananas onde vigora o oportunismo e a falta de rumo. Ou talvez apenas reforcem a ideia de que o Governo está comprometido em acabar com rendas económicas, desblindar grupos protegidos e criar um ambiente de concorrência. Não há dúvida de que os dois sinais estão a ser enviados. A questão é: qual deles prevalece? Esta questão é empírica.  

 

Pessoalmente, parece-me óbvio que todos os elementos convergem no sentido de reforçar a minha interpretação, e não a do João Miranda. Há um Memorando de Entendimento, que deixa explícito que os contratos teriam de ser revistos, e que certamente já seria do conhecimento dos novos accionistas (e se não era, devia); há mudanças profundas no mercado laboral; há privatizações; há uma nova lei da concorrência e uma reforma do sistema de justiça. Estes elementos não servem de seguro contra todos os riscos, mas fornecem um contexto que ajuda a interpretar a decisão de renegociar os contratos. E só com muito boa vontade é possível defender que este contexto confirma a interpretação do João Miranda.

 

Há dois exemplos que ilustram bem esta questão. O primeiro é a Islândia. A Islândia não só entrou em "default" externo (através da falência do sector bancário) como instalou um controlo de capitais vigoroso para evitar o colapso da moeda nacional quando os mercados entraram em ebulição. Mas este bloqueio legal aos activos não foi lido pelos investidores como um sinal de que a Islândia estava a preparar um esquema maquiavélico de controlo de capitais alheios. É por isso que três anos depois do colapso a Islândia já voltou aos mercados e voltou a atrair investimento directo estrangeiro.  

 

O outro exemplo é dado pelo leitor NS, que diz que:

 

Ainda que pareça justa a medida de rasgar os contratos de aquisição de energia a longo prazo e os contratos com as renováveis (eu teria um gosto especial nestes últimos), a verdade é que isso poderia ter efeitos altamente perniciosos sobre a atractividade do investimento e, dessa forma, penalizar fortemente os cidadãos que já sofrem medidas que não são aplicadas às empresas. No fundo, a ideia é tão atractiva como o incumprimento da dívida.

 

Na verdade, a evidência empírica aponta noutro sentido. Este estudo do FMI, por exemplo, conclui que os "defaults" tendem a ter efeitos curtos ("short-lived"), de um ou dois anos no máximo. Todos os "defaults"? Não exactamente. Os "defaults estratégicos", em que a dívida deixa de ser servida para evitar fazer cortes orçamentais, são altamente punidos nos mercados, o que faz com este tipo incumprimento seja, na prática, muito raro. A maior parte dos Governos prefere levar a austeridade até ao limite em que se torna óbvio, junto dos investidores, que não pagar é uma necessidade, e não uma escolha. Mas, a partir daí, os efeitos negativos são controlados. 

 

Porquê? Uma explicação possível: se o incumprimento é uma necessidade, não há motivos para pensar que o Estado em causa é um aldrabão a quem não vale a pena emprestar dinheiro. Talvez apenas tenha feito erros de cálculo. Os mercados são forward looking: se as perspectivas continuam boas (ou se se tornam boas em virtude de ter havido uma limpeza da dívida), o negócio continua.

 

Agora, há uma ressalva a fazer. Não é óbvio, à primeira vista, qual é o nível de "sangria" exigido pelos mercados antes de concederem a redenção a quem rasgou contratos. Mas se cortar 20% dos salários da função pública, reduzir pensões e gastos com medicamentos não chegam como prova antes de rever os subsídios pornográficos da EDP, eu vou ali e já venho.

 

 

 

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