O rigor da bodega
A crítica, seja ela do que for, deve servir mais o propósito da gradual redução da estante que o seu acelerado crescimento. Há aqui algum exagero, mas, ainda assim, uma crença genuína no fundamental. A crítica deve servir de filtro e deve o crítico, mesmo que por vezes de forma injusta, impermeabilizar de tralha inútil o consumidor. Porque se tudo for bom, e cada vez mais tudo me é apresentado como bom, o crítico torna-se inútil, um mero divulgador com performance menos interessante que um singelo anúncio numa auto-estrada qualquer. Abra-se um suplemento cultural por estes dias e contemple-se o fenómeno. Na música, quase tudo é corrido a quatro estrelinhas para cima, que nunca se sabe onde estará escondida uma grande obra-prima e é sempre bom pertencer ao grupo dos que a «encontrou». Já a literatura, fôssemos nós viajantes vindos do futuro, diríamos numa das fases mais profícuas e de maior qualidade de que há registo. No cinema o fandango não é diferente. E assim se tornam inutilidades impressas muitas daquelas páginas onde pululam exércitos de gente para quem a escolha, essa puta velha, não é coisa com significado sério. As excepções, aqueles que se dão liberdades de dizer, com seriedade e rigor, que o que leram, viram ou ouviram é uma abismal bodega, rareiam, e encontrá-las, essa tarefa hercúlea, vai sendo cada vez mais dispendioso.