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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

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Marnie

Bruno Vieira Amaral, 15.06.10

 

Se qualquer filme de Hitchcock é passível de ser deitado no divã, Spellbound e Marnie atiram-se de cabeça. Muita psicanálise manhosa e demasiada conversa. Os diálogos entre Sean Connery e Tippi Hedren no carro são longos e aborrecidos, sem a arte hitchcockiana de reduzir as palavras a mero adereço enquanto a nossa atenção é desviada para o que a câmara nos mostra. São duas personagens num carro a explicar a intriga e as motivações: nada mais anti-Hitchcock. E o final segue o mesmo padrão palavroso e explicativo. A conversa, escutada por Lil, entre Mark (Connery) e Marnie (Hedren) à porta de casa e o telefonema de Marnie para a mãe em Baltimore que também é escutado por Lil são duas formas preguiçosas de espalhar as informações pelas personagens, até porque Lil repetirá verbalmente a Mark aquilo que o espectador já ouviu.

 

No meio de tudo isto, há sinais do melhor Hitchcock: a cena inicial (a mala em grande plano e, logo de seguida, a notícia de um assalto), a sequência do primeiro sonho de Marnie que termina com um fade enquanto a mãe desce as escadas (talvez a mais assustadora e dilacerante sequência onírica da obra de Hitchcock, muito melhor do que o delírio daliano de Spellbound ou o excessivamente elaborado sonho de Vertigo), o assalto ao cofre da Rutland & Cº (exemplo prático da teoria do suspense), a cena do quase-afogamento de Marnie, que remete para Vertigo que, por sua vez, remete para a Ofélia de Millais e a “violação” no barco. Mas o conjunto sai prejudicado pelos defeitos pouco comuns na obra de Hitchcock, que vinha, é bom lembrá-lo, do mais extraordinário poker da história do cinema (Vertigo, Intriga Internacional, Psycho e Os Pássaros). Ao lado destas obras-primas, Marnie, com toda a aparelhagem psicanalítica e a enxurrada verbal, faz figura de obra menor e falhada.

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