Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

No way out for Greece

Priscila Rêgo, 24.02.12

Via Miguel Madeira, encontrei o melhor post que já li acerca do impasse grego. O post clarifica na perfeição, através de um jogo de escolha múltipla, aquilo que tentei defender na série Compreender a Alemanha: no ponto em que as coisas estão, pura e simplesmente já não há boas soluções para a Grécia. A gama de escolhas tem-de vindo a estreitar e, neste momento, todas as opções conduzem a becos sem saída, colapsos económicos ou situações insustentáveis para os contribuintes alemães. Cito apenas uma parte.

 

[...] It seems to me that left and right are united in the view that the Greek default is being handled appallingly, that the current attempts at a solution are childishly obviously wrong and that everything is the fault of someone, probably the Germans. My own view – that it is not at all clear what the direction of policy is, and that although I don’t agree with the troika plan, it’s recognizable as a good-faith plan made by conscientious international civil servants working under unimaginably difficult political constraints in an economic context that was irreparably broken before they got there – is, as always, unpopular [...] I don’t have a solution myself – the more I end up discussing this with people, the more I am reminded of the London Business School proverb taught on some of the gnarlier case studies, which is “Not All Business Problems Have Solutions”. 

 

E um pequeno comentário de Paul Krugman, que também retrata bem a questão:

 

It’s not too hard to see what Europe as a whole should be doing: less demands for austerity, much more general reflation [...] It’s much harder, however, to say what the leaders of such peripheral economies should do. Unilateral default won’t solve the competitiveness problem, and at least for now would actually worsen the fiscal squeeze, since they’re all still running primary deficits. (That may change in a year or so). Euro exit would allow a quick devaluation, solving the competitiveness problem — but it would be hugely disruptive and would generate vast ill-will, so it’s hard to see any government taking that step until there really are no alternatives (which may soon be true for Greece, but not the others). So there’s a kind of trap. If you imagine yourself as the Prime Minister of such a country, what can you do? For the most part, I’m afraid, you plead with the troika to make the austerity demands less severe, you do what you can to accelerate improving competitiveness (which isn’t much), and you wait for things either to get gradually better via “internal devaluation” or to get worse and provide the economic and political environment in which euro exit becomes a real possibility.

Sobre os "problemas fundamentais"

Priscila Rêgo, 20.02.12

Ludwig, dois comentários à tua resposta aos meus posts

 

Sobre a questão da sinalização. Julgo que é importante saber exactamente o que estamos a sinalizar e a quem. O corte de feriados talvez sinalize apenas ao resto da Europa (leia-se: Alemanha, Holanda, Áustria, Finlândia e, muito remotamente, França) que estamos dispostos a mudar de vida - independentemente de, em si mesma, a medida não ter um impacto económico substancial.

 

Mesmo que não seja óbvio que esta mudança seja no bom sentido (pessoalmente, parece-me discutível), é óbvio que alguma coisa tinha de mudar; e é igualmente óbvio, como se pôde constatar durante o penoso episódio dos cinco ou seis PEC's, que não havia vontade política para dizer isto frontalmente aos portugueses. O corte de feriados, e medidas semelhantes, mostram a quem está lá fora que há um compromisso em voltar a ancorar as expectativas dos eleitores. Isto era o mais difícil. 

 

Admito que o facto de "políticos obrigarem muita gente a fazer sacrifícios não quer dizer que a maioria da população esteja empenhada nesse rumo". Mas é por isso que o Memorando foi subscrito pelos três maiores partidos: para garantir que há um consenso em torno das medidas e que os 78 mil milhões de euros que nos emprestaram não se tornam dinheiro atirado à água. Em todo o caso, esta discussão é, neste momento, um pouco estéril: se era esta a estratégia, é um facto que está a resultar.

 

Acerca dos problemas fundamentais, há muita coisa a dizer. Por exemplo, que uma união económica não impede problemas orçamentais ao nível regional nem a correspondente austeridade (veja-se o caso da Madeira e das autarquias portugueses, apenas para nos ficarmos pelas fronteiras nacionais). E que, ao nível da banca, já estão a ser dados passos muito importantes ao nível das exigências de capital, divulgação de interesses e regras contabilísticas (seja através de Basileia III, seja no âmbito da EBA). E o BCE, ainda que por portas travessas, lá vai emprestando aos Estados. 

 

Está tudo bem? Não, ainda há muita coisa a fazer. Isto é relevante? Para a situação actual, provavelmente não. Portugal tem de voltar aos mercados daqui a um ano ou encontrar quem faça isso por si nos próximos 12 meses. Até lá, não vamos mudar o BCE, o funcionamento da Europa ou a regulação do sistema financeiro internacional. E, mesmo que o fizessemos, o impacto seria quase nulo: a maior parte das mudanças serviria para prevenir crises futuras e não para resolver a actual. 

 

Falar nisto é um erro estratégico por desviar as atenções daquilo que são os nossos problemas fundamentais, que têm raízes portuguesas e que são os únicos cuja resolução depende de nós. Em suma: vamos pôr a casa em ordem, serenar a populaça e conter os estragos. E depois, quando o pó assentar, preocupamo-nos em acabar com a fome no mundo. Mudar a Europa e deixar Portugal como está é, mais do que uma curiosa hierarquia de prioridades, pura e simplesmente falta de realismo. 

 

P.S.- Austeridade, por si, não chega. Toda a gente ouviu isto. E está correcto. Diminuir o subsídio de desemprego não vai fazer com que a escandaleira das PPP e das contas ocultas das empresas públicas não se tornem a repetir. É preciso ir mais fundo do que a superfícia que estamos a arranhar. Este livro é uma boa forma de pensar esse assunto. A parte boa é que as reformas propostas exigem mais consenso do que propriamente sacrifícios. A parte má é que é daquelas coisas que não podem ser impostas pela "troika". Vamos mesmo ter de o fazer por nós mesmos... 

Compreender a Alemanha - final

Priscila Rêgo, 15.02.12

Para quem quiser tudo organizadinho:

 

Compreender a Alemanha I

Compreender a Alemanha II

Compreender a Alemanha III

Compreender a Alemanha IV

Compreender a Alemanha V

 

 

E apenas duas notas de rodapé. Em primeiro lugar, a série não aborda questões morais, algumas das quais têm estado no centro deste debate. Sinceramente, parece-me pouco relevante discutir de quem é a culpa da dívida, se de quem pediu o dinheiro emprestado, se de quem o concedeu sem fazer perguntas. 

 

Em todo o caso, não vale a pena inventar muito. Somos pequenos e não temos poder negocial. É suicida começar por explicar, a quem nos emprestou dinheiro - e vai continuar a emprestar durante pelo menos mais alguns anos -, todas as subtilezas e nuances da ética do empréstimo que tornam o "não pagamos" uma moral aceitável.  

 

Em segundo lugar, não quero com isto dizer que não tenha havido erros durante este processo. Os posts limitam-se a explicar os interesses divergentes que estão em jogo, e por que é que as circunstâncias que envolvem este processo criam limitações fortíssimas ao tipo de soluções que podem ser ensaiadas. Não estou a tentar legitimar seja o que for. Mas perceber o que está em causa é uma forma muito mais sã de explorar saídas do que partir do princípio de que estamos encalhados porque um bando de economistas cretinos não consegue ver o que é óbvio para toda a gente. Um pouco mais de humildade, se faz favor. 

Compreender a Alemanha V

Priscila Rêgo, 15.02.12

Ok, erro cometido, assumido e registado. E agora?

 

Uma possibilidade é assumir que vamos a tempo de corrigir o erro, voltar atrás e fazer agora o que devíamos ter feito antes: reestruturar a dívida grega, aliviar a austeridade e assumir as perdas daí decorrentes - seja directamente, através de um "haircut" dos empréstimos feitos pelos países da Zona Euro, seja indirectamente, através do balanço do Banco Central Europeu (o que implica monetizar défices ou aumentar o capital do BCE).

 

A solução parece óbvia. A Grécia é pequena. Perder alguns milhares de milhões de euros com um país minúsculo é lamentável, mas compreensível, se a alternativa for o colapso da Zona Euro. Mas esta ideia é tão ingénua como a do post anterior, porque parte do pressuposto de que nada mudou entretanto.

 

Na verdade, muita coisa mudou. A mais relevante é o alastrar do receio dos mercados financeiros à dívida pública "periférica", que já obrigou Portugal e Irlanda a recorrerem à ajuda externa e deixou Espanha e Itália na "corda bamba". Uma grande reestruturação da dívida pública grega seria imediatamente lida pelos mercados como um sinal de que uma decisão semelhante seria tomado em Portugal, Irlanda e Itália. Conhecendo o historial de alguns destes países, é até provável que eles se empenhassem activamente nisso. Itália e Espanha perderiam imediatamente acesso aos mercados e teriam de ser socorridos pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira. 

 

O Fundo não chega para estes dois gigantes. Mas vamos assumir que há dinheiro que chegue. Neste cenário, a Europa faz o empréstimo e recebe o capital e respectivos juros quando as obrigações chegarem à maturidade. Em teoria. Na prática, o afrouxar da pressão sobre o orçamento da Grécia teria como consequência provável um afrouxar idêntico sobre países como Portugal, Irlanda e Itália, cuja dívida pública está no limite da sustentabilidade. Haveria aqui o risco sério de que a dívida entrasse numa espiral interminável que acabaria com uma reestruturação em grande escala. Nesta altura, as perdas teriam de ser assumidas pelo BCE e pelos países europeus - com a Alemanha à cabeça.

 

É neste ponto que foi colocada a fasquia nos últimos meses. Os alemães estão, compreensivelmente, receosos com o moral hazard que possa advir da decisão tomada em relação à Grécia. Manter a Zona Euro viva continua a ser um objectivo. Mas uma Zona Euro mantida viva através de um fluxo interminável de dinheiro para a periferia é uma Zona Euro em que os alemães, provavelmente, não quererão viver. Agora, não há soluções fáceis.