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A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

A Douta Ignorância

Política, Economia, Literatura, Ciência, Actualidade

Ponto Final

Tiago Moreira Ramalho, 18.09.12

A Douta Ignorância termina aqui. A troco de um café (que nem chegámos a pagar) trouxemos o Bruno Vieira Amaral para esta brincadeira. Porque foi isso que isto sempre quis ser: uma forma de nos divertirmos com meia-dúzia de frases pontuais, fossem elas publicadas no blogue ou trocadas nas caixas de e-mail. Tentámos fazer coisas sérias, entrevistas e afins, mas o trabalho inerente a tudo o que não tem por vocação única o puro gozo sempre nos fez deixar cair os 'projectos'.

Dois anos e meio depois deixamos aos historiadores dos séculos vindouros uma colecção (sim, com dois cês, que este blog começou antes de Vasco Graça Moura debater o novo Acordo Ortográfico com a extraordinária Edite Estrela) de duas ou três prosas menos simpáticas, incontáveis prosas profundamente ofensivas e um potencial desagrado em alguns corações particularmente atacados pelas peninhas douta ou ignorantemente atrevidas. Isto para não esquecer o texto fundamental do BVA sobre caralhos. Para que continuemos a receber o acostumadamente fabuloso rendimento que sempre daqui retirámos, o link para os posts da Priscila será um contador de ad clicks do Google. Caso queiram contratá-la para o vosso blog, saibam que A Douta Ignorância SAD detém 65% do passe. Quanto ao resto, não sabemos se deixamos saudades, mas vamos ter algumas.

 

RPR

TMR

Como diria o senhor Krugman, Wonkish

Tiago Moreira Ramalho, 01.09.12

Apesar de já ter alguns dias, o que já permitiria, com jeitinho, a irrelevância blogosférica, este artigo do João Galamba (e, a propósito, o artigo que ele cita) contém, a meu ver, um conjunto de erros que é preciso esclarecer. Isto não sem antes dizer que a blogosfera, regra geral, não é o melhor sítio para se discutir questões tão técnicas, seja de que ciência for. A ciência económica, para a qual cada um parece ter uma predisposição ‘relvista’ para se auto-certificar, traz problemas acrescidos. Mas, como diriam nuestros hermanos, the damage is done, por isso vamos a isto.

Os custos de trabalho por unidade produzida (CTUP) não nos dizem, de facto, nada de relevante sobre os salários. Mas também ninguém credível na área de economia internacional seria capaz de o dizer. Os CTUP são, sim, e só quando analisados nas suas variações, um instrumento de avaliação da evolução da competitividade de um país, pela via dos custos do trabalho.

Sabemos de ciência certa que, com tudo o resto constante, baixando os salários vamos ter um ganho de competitividade (os CTUP baixam). O ganho de competitividade é trazido pelo facto de um dos custos de produção ser mais baixo e, por isso, os preços dos bens exportados poder baixar. O efeito é semelhante ao da desvalorização, sendo que neste último caso o que acontece é que em vez de uma diminuição do salário nominal, existe um desconto generalizado nos produtos exportados e uma quase certa diminuição do salário real. O fundamental é que um método nos torna mais competitivos por diminuir os custos dos nossos produtos, enquanto o outro nos torna mais competitivos por diminuir «artificialmente» o preço final.

A validade da variação de salários para ajustamentos de curto-prazo não invalida que o que é naturalmente bom para uma economia é, como diz o artigo da Vox, evoluir na sua tecnologia. No entanto, contrapôr as duas medidas é absurdo, pois uma diz respeito ao longo-prazo e outra ao curto-prazo apenas. Não é agora, no meio de uma crise como a que vivemos, que a indústria portuguesa vai virar radicalmente e que os nossos trabalhadores vão mudar as suas qualificações. Neste momento, é preciso um ajustamento rápido. E de facto diminuir salários é rápido (o que não significa que seja exequível).

E aqui chegamos ao ponto fundamental. Sim, os CTUP são um instrumento de medição da variação da competitividade. Sim, a melhor solução é melhorar a tecnologia, o que não exclui a pertinência de um ajuste de curto-prazo nos salários nominais. Não, não me parece que seja possível, nos dias de hoje, diminuir generalizadamente os salários através de uma medida centralizada, o que torna a discussão sobre os CTUP mais uma curiosidade científica do que um potenciador de mudanças políticas.

Not so silly

Tiago Moreira Ramalho, 10.08.12

Hoje acordei para ir ao dentista e enfiei-me a seguir num carro durante horas a fio, com um termometrozinho a roçar-se constantemente no número trinta e cinco, para chegar àquilo a que muitos, com alguma propriedade, chamam de parvónia. Não estarei seguramente saudável, fresco, airoso e fundamentalmente lúcido. E apenas porque a loucura não raras vezes traz fortuna escolhi este momento (que se segue à entoação do «Hino à Alegria» de Beethoven ali no sino da igreja da aldeia, numa clara demonstração que o nobre povo das Beiras não precisa de guardar moscas num S. Carlos) para me debruçar – ó p’ra mim – sobre o que Seabra, Zita Seabra, veio dizer (ou não) à televisão e ao eterno Crespo, de quem, a propósito (ou não), é editora.

Debrucemo-nos, ora pois. Um elementar facto é que Zita Seabra insinuou que o PCP espiava órgãos públicos portugueses a mando da (ou em colaboração com, como o Politburo luso gostaria de pensar, caso tudo isto não passe de um deliriozinho seabrino) República Democrática Alemã. Não foi em momento algum dito que equipamento era usado ou onde era incorporado. Por isto, e ao contrário do que se possa pensar, as declarações não se desmentem a si próprias. Muito pelo contrário. São particularmente carentes de desenvolvimento por (i) serem proferidas por uma destacada funcionária do partido à época e por (ii) nos levarem a pensar que uma organização política, com representação parlamentar e que chegou a integrar governos durante essa década, estava ao serviço de um outro Estado e pronta a lesar Portugal. Às declarações não faltam, portanto, credibilidade, vinda de quem as profere, e importância, dado o conteúdo.

Seria, por isto, de esperar que o PCP não fizesse pose de diva respondendo que as afirmações da «pessoa» não têm «crédito» nem «merecem comentário». O PCP foi acusado de uma prática gravíssima que coloca em causa a sua imagem pública (afinal, Zita Seabra é conhecida essencialmente por expor, com mais ou menos rigor, historietas internas do partido) e a reacção natural deveria ser um processo judicial. E porque isto não diz apenas respeito ao PCP, mas sim ao país,  deveria ser a própria PGR a avançar, caso não haja processos movidos pelas partes. Haja provas de tudo isto e ainda há muita gente viva para mandar para a cadeia. Inclusivamente, quem sabe, a própria Zita, que, a acreditar nas suas declarações, foi cúmplice de traição. 

O rigor da bodega

Tiago Moreira Ramalho, 29.07.12

A crítica, seja ela do que for, deve servir mais o propósito da gradual redução da estante que o seu acelerado crescimento. Há aqui algum exagero, mas, ainda assim, uma crença genuína no fundamental.  A crítica deve servir de filtro e deve o crítico, mesmo que por vezes de forma injusta, impermeabilizar de tralha inútil o consumidor. Porque se tudo for bom, e cada vez mais tudo me é apresentado como bom, o crítico torna-se inútil, um mero divulgador com performance menos interessante que um singelo anúncio numa auto-estrada qualquer. Abra-se um suplemento cultural por estes dias e contemple-se o fenómeno. Na música, quase tudo é corrido a quatro estrelinhas para cima, que nunca se sabe onde estará escondida uma grande obra-prima e é sempre bom pertencer ao grupo dos que a «encontrou». Já a literatura, fôssemos nós viajantes vindos do futuro, diríamos numa das fases mais profícuas e de maior qualidade de que há registo. No cinema o fandango não é diferente. E assim se tornam inutilidades impressas muitas daquelas páginas onde pululam exércitos de gente para quem a escolha, essa puta velha, não é coisa com significado sério. As excepções, aqueles que se dão liberdades de dizer, com seriedade e rigor, que o que leram, viram ou ouviram é uma abismal bodega, rareiam, e encontrá-las, essa tarefa hercúlea, vai sendo cada vez mais dispendioso.

Belos, bonitos e feios

Tiago Moreira Ramalho, 29.07.12

«Não é que me lembre, mas quando as férias eram largas e simples como um tapete largo e simples, como uma mesa larga e simples, havia quem, nas mais diversas latitudes, gastasse as horas mortas do Verão a escrever postais ou cartas, um hábito dos bons que se foi perdendo, com graves danos para a saúde da nossa caligrafia e para a reconstrução futura da memória que interessa e de que hoje não cuidamos, atarefados na partilha pouco parcimoniosa de fotos bizarras e de vídeos de gatinhos com tudo e gatonas sem nada. Muitas vezes, porque o mundo é vasto e os CTT não eram mais rápidos que a sua própria sombra de três letras, a missiva só chegava à caixa de correio uns dias depois da pessoa-remetente regressar à casa de partida e após ter ido beber um café ou uma groselha com a pessoa-destinatário, ocasião não raras vezes aproveitada, pela primeira, para relatar as suas aventuras no estrangeiro ou no Portugal marítimo, abusando nos detalhes e exibindo as 36 fotografias que comprovavam parcialmente o testemunho. Esse fenómeno de desfasamento temporal era quase sempre comemorado com um telefonema da pessoa-destinatário à pessoa-remetente, em que a pessoa-destinatário, depois de abreviar a conversa com um dos progenitores da pessoa-remetente, exclamava: "Olha, chegou hoje o teu postal!" Por incrível que pareça, nada disto entristecia quem quer que fosse. "Ah, chegou hoje? Está bem." Não era mentira nenhuma. Regra geral, aquilo estava mesmo bem. Éramos todos belos e bonitos. E feios, muito feios.»


Daniel, no Rulote.

«A new date, buddy or friend»

Tiago Moreira Ramalho, 24.07.12

Um website que promove encontros amorosos entre homossexuais foi abaixo por excesso de tráfego quando chegaram a Londres as primeiras comitivas olímpicas. O Grindr, um espacinho criado para que o homossexual carente possa encontrar, com alguma facilidade e rapidez, um companheiro, um compincha ou simples amizades, ficou fora de serviço, para grande consternação colectiva. E disto se retira uma de duas: ou estão os londrinos particularmente curiosos sobre as putativas habilidades olímpicas e na tradução destas em benefício sério para a relação amorosa (benefícios que não serão, com tanto aquecimento, despiciendos), ou estão os atletas olímpicos preocupados com a falta de motivação que lhes poderá trazer a satisfação solitária durante duas longas e extenuantes semanas. Isso tudo, ou uma simples coincidência que traz os Jogos Olímpicos desta segunda era para um imaginário bem mais próximo dos da primeira.

Método

Tiago Moreira Ramalho, 21.07.12

O jornalismo de investigação está numa época áurea. Ainda hoje vi, num noticiário, uma jornalista a «investigar» as ofertas de emprego nos centros do IEFP. Chegou a jornalista à conclusão extraordinária que há gente com o ensino básico a ganhar mais que engenheiros. Isto porque encontrou um empregador que estava disposto a pagar 800€ por um mecânico e outro que apenas pagaria 600€ a um engenheiro. Dois casos e uma generalização. E de gente com estudos superiores. Não admira que se receba mal.

Eu cá não sou de intrigas

Tiago Moreira Ramalho, 05.07.12

Lamento a minha condição. Hoje fui surpreendido com a decisão do Tribunal Constitucional, o que muito m’arrelia, porquanto eu ainda devia ser capaz de detectar, mesmo que com algumas dúvidas, aquilo que constitui uma violação de direitos fundamentais. Os cortes de subsídios dos funcionários públicos, ao que parece, são um exemplo e eu, palerminha, não m’apercebi.

Do que me apercebi, no entanto, é que o Tribunal Constitucional nos permitiu uma grande festa sináptica. A decisão de cortar os subsídios, tomada dada a dificuldade que constitui cumprir o acordo de estabilização, é considerada inconstitucional. No entanto, no ano em que esse corte é decidido, a inconstitucionalidade é «perdoada» porque o processo já vai avançado e porque pagar os subsídios este ano nos traria dificuldades no cumprimento do dito acordo. Eu não me contive e dei uma cambalhota. 

A seriedade da decisão do Tribunal Constitucional é desfeita pela própria instituição. Se fosse deveras um exemplo tão descarado de desigualdade de tratamento de cidadãos por parte do Estado, se fosse realmente um atentado grave aos direitos fundamentais dos portugueses, a decisão nunca poderia ser esta espécie de «quase-decisão». Não discuto a inconstitucionalidade dos cortes. Nem tampouco discuto o facto de isto não passar tudo de uma grande palhaçada.