Termina aqui a minha muito pontual participação. Agradeço ao Bruno o convite, lamento que a minha última contribuição substancial tivesse sido sobre retretes e espero que a equipa se reúna uma última vez para pensar o país diante de umas cervejas.
Given the weaker barriers to ending same-sex relationships, we might anticipate that there would be fewer long-term relationships among lesbians and gay men compared with heterosexuals. Unfortunately, we currently know little about the longevity of same-sex relationships. No information comparable to divorce statistics for heterosexual marriages is available. Several studies have documented the existence of very-long-lasting gay and lesbian relationships (e.g., Johnson 1990, McWhirter & Mattison 1984). Longitudinal studies provide further clues about relationship stability. In a five-year prospective study, Kurdek (1998) reported a breakup rate of 7% for married heterosexual couples, 14% for cohabiting gay male couples, and 16% for cohabiting lesbian couples. Controlling for demographic variables, cohabiting gay and lesbian couples were significantly more likely than were married heterosexuals to break up... Annual Review of Psychology (2007) Vol. 58: 405-424
Nas suas crónicas "A Adição Gay" (I e II) e na discussão que tem prosseguido com a Ana (Matos Pires), Pedro Picoito foi acusado de usar referências bibliográficas antigas. Esta é a mais actual, entre as robustas, que consegui encontrar. Curiosamente, apesar das diferenças de grau, a conclusão vai no mesmo sentido das conclusões dos artigos que o Pedro cita. Admitindo que há agora consenso sobre este detalhe, só precisam de me convencer das virtudes da estabilidade do casal a qualquer preço para a vida dos filhos. Podem usar referências bibliográficas de qualquer ano e também os conselhos do pároco da vossa comunidade, que devem vir assinalados com a expressão "personal communication" entre parêntesis.
Dou-te já os parabéns pela lombada, Nuno, ainda antes de ler a obra. Porque, no fundo, ninguém acredita naquele corpo teórico; materializar é o verdadeiro livre-trânsito para continuarmos a sonhar.
Não leio a imprensa desportiva com a regularidade que provavelmente seria recomendada para a escrita desta entrada, mas tenho a intuição de que seria interessante uma tese de doutoramento - enfim, talvez apenas um mestrado - sobre o modo como a análise técnica do futebol publicada na imprensa e discutida na rádio e televisão evoluiu ao longo das últimas quatro ou cinco décadas, da sua complexidade intrínseca aos paralelos com as teorias de interpretação que foram aparecendo noutros domínios, o que implicaria um trabalho de mapeamento prévio para encontrar o Carlos Daniel e o Luís Freitas Lobo dos mil novecentos e sessentas (ou explicar as suas ausências), algum aparato estatístico, referências a Umberto Eco e a um qualquer dos franceses. A minha tese seria simples: caminhamos para a completa mistificação - e em vez de termos parado na metafísica, o que seria recomendável, entrámos já no domínio da pseudociência; mas isto pede à Epistemologia menos do que pede à Sociologia (pressão dos pares e subida da educação média dos apreciadores do fenómeno desportivo). Estas manifestações incluem os muito gozados barroquismos de gramática e lexicais dos intérpretes da bola (de Gabriel Alves a Rui Santos), mas é no modo como se vai pensando o futebol que atingimos o êxtase. E o excepcional futebol do FC barcelona dá-nos a melhor matéria-prima.
"No fundo, a pergunta básica da Filosofia (como a da psicanálise) é a mesma do romance policial: de quem é a culpa?", escreveu o Eco. Ora, nos últimos dias chegámos a um novo cúmulo interpretativo e, por causa de umas declarações de Pep Guardiola, o culpado está encontrado: é o Busquets. Ainda a estupefacção não assentara, já corria doutrina a explicar ao povo aquilo que ainda ninguém tinha visto ou a que não dera o devido valor (1,2). Não faço a menor ideia se o Busquets é o segredo do FC Barcelona. Não sei se Pep Guardiola disse o que disse por ser mais amigo da verdade ou do balneário. Mas suspeito que esta tese vinga porque é contra-intuitiva, o que faz com que o intérprete brilhe com indisfarçável ansiedade e orgulho. Estamos tão fartos do excepcional futebol do Barcelona como em tempos estivemos fartos do Serguei Bubka, mas como ainda estamos mais fartos das explicações (a Cantera, a identidade cultural, o baixo centro de gravidade do meio-campo, o Messi, o Iniesta, o Xavi - e todas as combinações com dois destes elementos), qualquer novo dado interpretativo entusiasma o adepto tanto como uma nova relíquia entusiasma o crente ou uma nova teoria entusiasma o jovem académico. Que venha então o Busquets. Amanhã será a perturbação electrostática que emana dos caracóis do Pujol. E depois será a sopa da mulher-a-dias do Piqué, que dá solidez à defesa porque tem propriedades calmantes. Dito isto, ontem gostei muito de ver o Ozil.
Irrita-me a emergente guerrilha que, depois de uns 4 anos de relativa tranquilidade, volta a berrar nas colunas de jornal contra o opressor "fascismo higienista". Irrita-me a sua retórica ridícula de derradeiros paladinos da liberdade; irrita-me a sua mitologia, servida por mentiras que fazem de Nova Iorque o novo Gulag e, até prova em contrário, uma cidade sem restaurantes. Reconheço que não é fácil defender uma alteração para uma lei anti-tabaco mais restritiva. Seria uma injustiça para os comerciantes que fizeram investimentos nos seus estabelecimentos por causa da lei anti-tabaco de 2007, a menos que fossem compensados. E uma lei anti-tabaco mais restritiva passaria a ser diferente, no "espírito", da lei que combate a poluição sonora. Admitindo que ninguém - tirando o Doutor Vasco Pulido Valente, fiel à ciência do século XIX - põe em causa que a exposição (passiva) continuada ao fumo do tabaco, tal como a exposição continuada a ruídos acima de uma determinada intensidade, faz mal à saúde, por que motivo devem estas leis ser diferentes? Ora, se nada me escapou na leitura apressada que fiz da lei do ruído, esta protege-nos exclusivamente - ainda que por vezes só em teoria - das agressões sonoras vindas de espaços privados e públicos que podemos evitar, deixando ao cuidado de cada um a decisão de destruir os seus ouvidos e a sua estética dentro de discotecas. Mas, enfim, talvez estejamos mesmo perante uma inércia cultural que parecerá caricata daqui a 50 anos e talvez a lei do ruído não seja um bom termo de comparação, visto que o fumo consumido de forma passiva por causa de um prazer alheio é a terceira causa de morte evitável, logo a seguir ao fumo consumido de forma activa e ao álcool. Convenhamos que a surdez não mata e, com o alarido que anda por aí, até deve consolar.
Em última análise, depois de lhe retirarmos eventuais preconceitos de ordem religiosa, homófoba ou outros, a resistência a novas formas de procriação e de organização familiar radica num único princípio, o “superior interesse da criança”. O “superior interesse da criança” postula que a criança precisa de um casal heterossexual e, como a maior parte da população foi gerada e criada assim, ir contra tal ideia é tão herético como tomar partido quando nos perturbavam a infância com o “gostas mais do pai ou da mãe?” Mas mesmo sem perder uma linha a tentar rebater o princípio, convém lembrar que as pessoas não têm filhos por causa do “superior interesse da criança”, entre outras razões porque a criança ainda não existe. As pessoas - todas as pessoas - têm ou adoptam filhos porque sentem que isso lhes completa a existência, ou seja, por egoísmo. O poder do Estado para modular esse desejo é algum (os incentivos à natalidade, etc.), mas limitado, e desde que exista a possibilidade técnica de ter uma criança, os pais em potência não vão desistir. Como só um Estado totalitário pode contrariar essa obstinação, na prática o “superior interesse da criança” não pode funcionar a anteriori numa sociedade decente e ser aplicado de um modo - digamos - “preventivo”. Daqui decorre que leis que proíbam ou omitam determinados cenários - como a co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo e a procriação medicamente assistida acessível a mulheres sem parceiro masculino - são uma espécie de suicídio legal, porque violam o interesse superior que tentam proteger. É o que sucede com a lei do casamento para pessoas do mesmo sexo e a lei que regulamenta a procriação medicamente assistida. Nasceram tortas e é tempo de as endireitar.
Os últimos dias de Dezembro são os mais livres. É a sofreguidão de antecipar o balanço do ano e a memória curta a libertá-los da História, e é o equilíbrio entre as frustrações do ano findo e o optimismo do renascimento vindouro a dar-nos – enfim, a dar-me, que cada um sabe de si – uma sensação de imponderabilidade, como a bola lançada ao ar no exacto momento em que já não sobe e ainda não desce. Mas, por estes dias, também senti a vã obrigação de escolher a “figura do ano”. Sem hesitar, a palma vai para Yasuteru Yamada, o reformado engenheiro japonês de 72 anos que tentou recrutar um grupo de companheiros do autodenominado (mas não são terroristas) “Skilled Veteran Corps” para dar uma mãozinha nos trabalhos de contenção da fuga radioactiva provocada pelo acidente na central nuclear de Fukushima. É longo o eco desta notícia na cabeça do ocidental, por causa de Hiroxima e Nagasáqui, mas também porque o Japão é o país em que um forte sentimento de honra deu ao mundo um ritual de suicídio violento (o harakiri) e que na Segunda Guerra Mundial criou a carreira com menores perspectivas de futuro. Inevitavelmente, um idiota útil perguntou se Yamada era um “kamikase”, ao que o nosso homem respondeu com o invejável eufemismo nipónico, lembrando que no caso dos aviadores mártires não havia grande “gestão de risco”. Yamada frisou sobretudo a lógica: na sua idade, o efeito mais pernicioso da radiação (um cancro que demora décadas a manifestar-se) seria muito menos dramático do que num indivíduo mais novo, com uma esperança de vida maior. Daí o absurdo de comparar a decisão racional, mas generosa e corajosa, de um cidadão livre com o horror de um sacrifício pela pátria que só a propaganda de Estado fez passar por voluntário.
No "i", hoje.
Parece que ainda há Europa e o debate continua. Apareçam.
Esta semana, no portal da Fundação Francisco Manuel dos Santos, António Figueira, Miguel Morgado, Rui Tavares e Miguel Poiares Maduro vão discutir a Europa. Eu apenas faço as perguntas. Agradecia que divulgassem o anúncio nos blogs políticos.
António Figueira é licenciado em Direito, mestre em Relações Internacionais e doutorado em História Contemporânea. Durante quase duas décadas, foi funcionário europeu e diplomata, em Bruxelas, Londres e Estrasburgo. Foi ainda docente do ensino superior e director de uma agência de comunicação. Actualmente é assessor do Ministro dos Assuntos Parlamentares e escreve na imprensa sobre assuntos europeus. Tem trabalhos publicados na área dos estudos europeus e, em 2004, pelo seu livro "Modelos de Legitimação da União Europeia" recebeu o Prémio Jacques Delors para melhor estudo académico sobre temas comunitários.
Miguel Morgado é doutorado em Ciência Política, ensina História do Pensamento Político e Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. É também professor visitante da Universidade de Toronto. Em 2010, escreveu o ensaio "Autoridade", que a Fundação Manuel dos Santos incluiu na colecção que tem vindo a publicar.
Rui Tavares é deputado no Parlamento Europeu, historiador especialista em história e cultura do século XVIII, escritor, tradutor e colunista na imprensa.
Miguel Poiares Maduro é Professor no Instituto Universitário Europeu (UIE) de Florença, Professor Convidado da Yale Law School, docente na Universidade Nova de Lisboa, leccionou na University of Chicago Law e na London School of Economics e foi investigador convidado em Harvard. Advogou no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Tem uma comenda da Ordem de Santiago da Espada por mérito literário científico e artístico, venceu o Rowe and Maw Prize e a sua tese de doutoramento valeu-lhe o prémio Objettivo Europa. Em 2006 publicou “A Constituição Plural - Constitucionalismo e União Europeia”.
Já se sabe qual foi a adesão à Greve Geral de ontem? Ter a opinião pública refém das manipulações do Governo e dos sindicatos é um sinal de atraso. Só que é também um sinal da falta de imaginação e de iniciativa dos nossos cientistas sociais. A assinar documentos em defesa da dignidade do Trabalho e do Estado Social foram muito eficientes, mas não quando se trata de pensar e tentar soluções para obter em tempo real números credíveis sobre greves, para eventualmente defender a dignidade do trabalho e, em todo o caso, defender a verdade. Com tanto departamento, tantos académicos, tanto inquérito, tanto projecto financiado, tanta tese por aí a ser feita, não há ninguém que veja num anúncio de greve geral uma excelente oportunidade para testar métodos de amostragem, das rudimentares contagens feitas pelos seguranças dos edifícios, à taxa de utilização dos computadores do escritório, passando pelo consumo de energia, etc.?
O que mais surpreende no famoso vídeo com as respostas estapafúrdias dos universitários portugueses a perguntas de cultura geral é a falta de vergonha. À primeira apreciação, pensamos na falta de vergonha com que os alunos entrevistados toleraram a exposição das suas tristes figuras; à segunda, pensamos num comportamento vergonhoso da revista Sábado. Qualquer pessoa com um mínimo de experiência na edição de informação sabe que é possível passar a imagem que se pretende com uma escolha judiciosa do que se mostra. O caso extremo consiste em montar uma sequência de cortes que isolam o movimento dos lábios quando pronunciam sílabas e pôr a pessoa a dizer por playback o que bem entendermos, mas mostrar só as respostas falhadas a um conjunto de perguntas é um outro exemplo, que apenas difere do anterior no grau. Presumo que o artigo publicado na revista em papel terá uma ficha técnica e a descrição do contexto em que foram feitas as perguntas, só que isso não satistaz, porque, entre outras razões, comprar a revista depois de ver o vídeo não é o comportamento mais frequente. Sem mais elementos, este testemunho de um dos estudantes entrevistados parece-me credível e pleno de razão.
Martin Amis definiu a Literatura como uma guerra contra o clichê. É uma definição tão boa ou tão má que serve para quase tudo. Se substituirmos a guerra contra a frase feita pela guerra contra a ideia feita, temos uma definição de jornalismo. Ora, se no trabalho da Sábado a provável manipulação irrita, a total falta de originalidade deprime - e da soma destas reacções resulta uma estranha apatia. A ideia de que os nossos universitários são hoje mais ignorantes é um clichê. Resulta, em parte, desta espécie de eterno efeito de paralaxe geracional que faz com que os pais lamentem sempre a decadência cultural da geração dos filhos - o que se fosse verdadeiro já nos teria feito subir às árvores de onde desceram os nossos antepassados. E resulta também da massificação do ensino superior e da criação de licenciaturas de mérito mais do que duvidoso, o que levanta a suspeita de um decréscimo dos níveis de exigência. O que a Sábado fez foi servir de bandeja aquilo que as pessoas gostam de consumir em modo de guilty pleasure. Mas é a Sábado que ignora uma regra básica: fazer prova de ignorância é mais difícil do que provar o conhecimento, tal como é muito mais difícil provar que algo não aconteceu do que o contrário. Enfim, trata-se de uma interpretação demasiado optimista, porque a curar a ignorância é muito mais simples do que acabar com a má-fé.
A propósito desta alteração dos critérios de selecção dos dadores de sangue, o Tiago Mendes escreveu o melhor dos comentários que tive a oportunidade de ler. Noutro contexto, fiz em tempos uma apologia do onanismo com consciência social que não chegou a dar petição. Apenas relembro o essencial:
1. Dar sangue não é um direito garantido.
2. A existência de um período-janela e a falibilidade dos testes, ainda que baixíssima, obrigam o Estado a eliminar os dadores que tenham uma probabilidade mais alta de estarem infectados com doenças transmissíveis pelo sangue.
3. Os direitos individuais só ficam comprometidos se o Estado discriminar em função de grupos e não em função de comportamentos.
No caso da SIDA, a probabilidade de contágio depende de uma série de factores, mas é directamente proporcional ao seguinte produto:
Probabilidade(s) do(s) parceiro(s) estarem) infectado(s) x Probabilidade de contágio associada ao tipo de acto sexual praticado x o Número de vezes que esse acto é praticado.
Os homossexuais (homens) ainda estão sobre-representados entre a população infectada com o HIV, o que faz aumentar o primeiro factor da equação relativamente às práticas sexuais entre heterossexuais. O sexo anal, não sendo uma prática exclusiva dos homossexuais, é mais frequente neste grupo, o que também faz aumentar o segundo factor. Admitindo que os comportamentos homossexuais e heterossexuais não diferem quanto à frequência de actos sexuais, à probabilidade de rompimento do preservativo e à percentagem de sexo sem protecção, conclui-se que o sexo entre homossexuais é teoricamente mais perigoso do que o sexo entre heterossexuais, inclusive o sexo com protecção, tal como é teoricamente mais perigoso aceitar sangue de um viciado em heroína - ou de alguém que pontualmente se injectou - do que de um viciado em cocaína inalada - ou de alguém que pontualmente a snifou-, ainda que o primeiro garanta que usou sempre seringas novas e nunca partilhadas. Por outras palavras, na prática o critério de exclusão com base no comportamento (a prática de sexo anal com alguém que pratica sexo anal com regularidade) pouco se distingue do critério com base na pertença a um grupo de risco (o ser homossexual "praticante"). Dito isto, convém lembrar que esta diferença formal tem consequências práticas conhecidas a outro nível, pois a insistência na ideia dos "grupos de risco" (hoje obsoleta) terá levado a um relaxamento da prevenção em quem não estava incluído nesses grupos.
Por fim, também me parece claro que todo este alarido sobre estes direitos dos homosseuxuais desapareceria se o critério de selecção passasse a incidir sobretudo sobre o comportamento sexual nas 5 semanas que precedem o dia da recolha de sangue e excluísse todas as pessoas que tivessem tido práticas sexuais nesse período. Porque o Estado não tem forma de não depender da boa-fé dos dadores quando respondem ao questionário, mas não deve depender da boa-fé destes quanto às práticas sexuais dos parceiros.
Chamo a atenção para este texto do colega Alexandre Borges. Sem perder muito tempo com a evidência de que qualquer texto de blog que critique o primado da opinião está ferido de morte à partida (os blogs são a expressão máxima da democratização da opinião), também me parece óbvio que devemos exigir dos media o que não se pode pedir a um blog e que a praga de opinião na comunicação social está a atingir uma proporção tal que, por vezes, de telecomando na mão, dou por mim com tiques de Manuela Ferreira Leite, a murmurar se não devíamos interromper a liberdade de expressão durante seis meses. A Sic Notícias, em particular, dá-me náuseas. O canal tem a pretensão de ser uma espécie de CNN lusa, mas não faz jornalismo de investigação. O horário nobre é ocupado com noticiários e o grosso dos noticiários preenchido com entrevistas e debates, porque é o minuto de televisão mais barato. A conjugação desta estratégia com o momento actual de crise produziu uma linguagem que, com simples afinações, se assemelha ao newspeak do famoso 1984, de Orwell: em vez de uma linguagem que serve o domínio do Estado, ouvimos uma linguagem que serve os omnipotentes "mercados"; a falta de conhecimento sobre o assunto eliminou todas as subtilezas de discurso e referências históricas; a remoção de palavras e expressões com conotação negativa, também típica do newspeak, surge na forma de eufemismos, como a "eliminação de redundâncias" - suspeito até que a formação de palavras por aglutinação está à porta, bastando que a hegemonia económica da Alemanha comece a extravasar em domínio sobre a cultura.
Não duvido que parte do estrondoso sucesso de Inside Job resultou da qualidade intrínseca do documentário, mas também da diminuição da qualidade da informação diária, que, de tão fragmentada, redundante e nas mãos de quem se limita a propagar um eco cuja fonte se desconhece, nos deixou com imensa fome de perceber. Sem conhecimentos de economia e finanças, o que me resta, então? Ler só os melhores. Por isso, fico com o Paul Krugman. E quem me quiser convencer do contrário, que ganhe primeiro o prémio Nobel. Alguém disse que concordava com Marcelo Rebelo de Sousa em todos os assuntos que não dominava, uma sábia regra que, com a devida vénia, reformulo: só não sou adepto dos argumentos de autoridade nos assuntos que domino.
Assunção Cristas estreou-se como ministra num estado de graça que combinava um consenso sobre a sua competência política, a simpatia paternalista que se tem por a uma jovem mulher na elite política e a ideia de que um ministro não precisa de ter competências específicas e experiência, bastando-lhe a capacidade para estudar os dossiers, escolher a equipa e decidir. Não se lhe conhecia especial apetência para os assuntos do mar, o ambiente e a agricultura, mas como também não iria haver dinheiro, talvez não fosse mesmo grave, por muito peregrina que seja a tal tese da virtude da inexperiência. Só que neste tempo de antena mascarado de entrevista, em que a ex-deputada do CDS Manuela Moura Guedes surge dócil e um antigo assessor de imprensa de Paulo Portas decora a sala, Assunção Cristas abusa da nossa paciência. A começar, admite que deu informações erradas no Parlamento sobre a construção da barragem da Foz do Tua e que erro chegou "via secretário de Estado" - enfim, como são 4 secretários de estado no ministério, ao menos não o denunciou em público. A terminar a entrevista, mostra-se espantada quando lhe dizem que o escritório de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados, onde trabalhou antes de ir para o Governo, tem como cliente a concessionária da barragem do Tua, a EDP. E entre estes dois momentos de inequívoca incompetência, sem ter quem que lhe passe outro post it com "plantem sobreiros pelos meus netos", não se descobre em Cristas qualquer empatia pela causa do ambiente. Tudo é consolidação orçamental e necessidade de honrar os contratos, admitindo a ministra falta de independência sem um pingo de frustração, parecendo mais uma burocrata diligente do que um ministro com convicções. Não que Cristas precise de uivar como o Idéafix sempre que se abate um sobreiro, mas como estão em causa 1.104 sobreiros e 4.134 azinheiras de uma das paisagens mais belas do país, apetece parafrasear Moretti: Cristas, diz alguma coisa à ecologista. Diz alguma coisa, mesmo que não seja de ecologista, alguma coisa civilizada. Cristas, diz qualquer coisa. Reage!